Quando escolheu a profissão
de fisioterapeuta, Claudinea Guedes Yamashiro não imaginava
que um dia pudesse vir a se envolver com cachorros. Em 2002,
sete anos depois de formada, a professora responsável
pela fisioterapia geriátrica da Universidade Santo
Amaro (Unisa), em São Paulo, viu-se diante de um desafio:
o aluno Vinicius Fava Ribeiro queria fazer uma monografia
na área de geriatria usando cães.
Assim começaram as sessões que estão
contribuindo para a reabilitação de dona Luciana,
69 anos. “Ela não tinha contato com o mundo externo,
ficava só com os olhos fechados. Mas, um dia, um cão
chamado Frisley queria a sua atenção e começou
a insistir com a patinha em sua perna, o focinho tentando
alcançar a sua mão. Nesse momento, ela abriu
os olhos, deu um sorriso, fez carinho e por fim chorou de
emoção”, lembra Jerson Dotti, fundador
do projeto Cão do Idoso.
O projeto é administrado por uma Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), cujo
trabalho consiste na realização de terapia assistida
por animais (TAA) em casas de repouso e abrigos para idosos.
A TAA serve de estímulo e complemento a vários
tipos de tratamento. Dona Luciana está na capital de
São Paulo, no Lar de Idosos Vivência Feliz, uma
das entidades atendidas.
O Cão do Idoso existe desde 2000 e começou
com a atividade assistida por animais, voltada para a socialização
e a adaptação dos pacientes ao convívio
com o cão. É um momento de integração
entre os idosos, os animais e outras pessoas, que normalmente
são os donos dos animais.
A terapia assistida por animais, que passou a ser feita dois
anos depois, está relacionada à melhora da saúde,
pois usa o melhor amigo do homem como agente estimulador para
tratamentos de fisioterapia, psicologia ou fonoaudiologia.
Dona Luciana apresenta um quadro de depressão severa
que a deixa incomunicável e a levou a viver em uma
cadeira de rodas. Ela também faz fisioterapia convencional,
mas os resultados não são tão bons como
quando o cão participa.
“A grande responsável por toda melhora que ela
tem é a fisioterapia assistida por cães. Quando
se coloca o cachorro na sua frente, muda tudo, ela passa a
se comunicar inclusive com as pessoas, passa a responder às
perguntas, fazer os exercícios”, conta Claudinea,
ressaltando que, sem a presença de Frisley, a paciente
não responde às perguntas das pessoas e não
se movimenta sozinha.
Trabalho inédito no Brasil
A maior parte do material de pesquisa utilizado por Vinicius
Ribeiro na sua monografia foi baseada em experiências
dos Estados Unidos, Canadá e Europa, onde este tipo
de trabalho já é realizado há quatro
décadas. No Brasil, a maioria dos estudos envolvendo
animais é voltada para a equoterapia, que utiliza o
cavalo em tratamentos voltados para a educação,
reeducação e reabilitação de pessoas
com comprometimentos físicos ou mentais.
Em outros países, a pet therapy (TAA, no Brasil) com
cães e outros animais domésticos já é
reconhecida em universidades por contribuir para a recuperação
de pacientes. Desde o ano passado, a Unisa aborda o tema em
sala de aula e o trabalho no Lar de Idosos Vivência
Feliz passou a ser reconhecido pela universidade como estágio.
O trabalho dos alunos é supervisionado por Claudinea
e Vinícius e consiste em controlar a postura dos pacientes
e elaborar a seqüência de atividades, como jogar
um objeto para o cão buscar, escovar os pêlos
do animal, fazer massagem no animal com os pés e outras.
Ao todo, 20 idosos participam da fisioterapia assistida por
cães.
A professora Claudinea juntou conhecimentos da fisioterapia
e da cinesioterapia (tratamento por meio de exercícios)
e elaborou maneiras de aplicá-los envolvendo o cão.
“O idoso tem certa resistência a tratamentos,
principalmente quando é preciso fazer exercícios.
Eles têm uma tendência a preferir ficarem quietinhos.
Só que isso é ruim. Então, tentamos transformar
a fisioterapia em algo prazeroso”, ressalta Claudinea.
O dono do cão acompanha as sessões e comanda
o animal por meio de gestos. Mas o idoso acredita que ele
é quem está no comando e sente como se estivesse
adestrando o cachorro. A professora observa que “Eles
se sentem responsáveis pelo bem-estar do animal: enquanto
um está fazendo o exercício, o outro dá
dicas de como agir para o animal gostar do que está
fazendo. Para os pacientes, o exercício faz parte do
treinamento do cachorro.”
O tratamento tem contribuído inclusive para maior
interação entre os pacientes. Antes, alguns
não se falavam, mesmo morando no mesmo quarto. Agora,
eles passaram a conversar, a própria fisioterapia se
transformou em assunto e os donos dos animais também
passam a integrar a rede de relacionamento destas pessoas.
Em sua experiência voluntária, o assessor de
comércio exterior Jerson Dotti já observou que
o envolvimento dos animais faz muita diferença: “Os
exercícios usuais da fisioterapia são muitas
vezes monótonos para os idosos e envolvem apenas contatos
com objetos. Com o cão é diferente, pois ele
cria o ambiente ideal para motivação dos idosos.
É um ser vivo oferecendo carinho, atenção
e muito amor.”
Retorno fundamental
O dono do animal, responsável pelos comandos e
pela ajuda para estimular o cão e o idoso, é
um elemento fundamental na equipe, mas também se sente
recompensado.
“O trabalho voluntário traz uma satisfação
e um prazer incomparáveis. Por meio dele, compreendemos
melhor a necessidade do outro. Nós nos sentimos úteis
e há um aumento de consciência de que o ambiente
social e as pessoas que nos cercam precisam de nossa colaboração”,
afirma Dotti, que começou seu trabalho voluntário
[apresentou seu voluntariado] pensando em atender às
necessidades das pessoas idosas.
A fisioterapeuta Claudinea também vê vantagens
pessoais no trabalho com os animais: “Tentando fazer
algo em prol dos idosos, acabei me beneficiando também,
com a adaptação com os cães. Hoje, não
tenho problema nenhum com relação a eles”,
ela comemora.
Os cães envolvidos na atividade podem ser de qualquer
raça – ou até sem raça definida
–, desde que não constem da Lei da Focinheira
(que determina que algumas raças devem usar focinheira
quando não estão em sua casa ou canil). Em geral,
o animal deve ser gentil, obediente e apresentar aptidões
para este tipo de trabalho.
A equipe do Cão do Idoso tem profissionais que oferecem
apoio para identificar se os cães são adaptáveis
à função e até para treiná-los.
A cadela de Jerson Dotti, que participa da atividade assistida
por animais juntamente com outros 34 animais, é uma
poodle.
“Muitas empresas, mesmo as do setor de animais, ainda
não acordaram quanto à importância de
ter sua imagem ligada à responsabilidade social, mas
essa é uma questão de tempo. Quando isso acontecer,
a TAA andará a passos largos no Brasil e será
mais uma atividade reconhecida que alcançará
as pessoas que precisam”, espera Dotti.
O site da OSCIP Organização Brasileira de Interação
Homem-animal Cão Coração, responsável
pelo Cão do Idoso, é o www.projetocao.com.br.
As informações são da Fundação
Banco do Brasil.
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