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saúde
29/07/2004
Mulheres usam ervas contra doenças

Com flores, folhas e cascas de árvore elas preparam xaropes, tinturas e chás que aliviam as mais diversas doenças. Há 19 anos, um grupo de mulheres do Complexo do Caricó, na Penha (Zona Norte carioca), vem realizando um trabalho de saúde e de resgate da sabedoria popular. O projeto Sementinha leva receitas simples e de baixo custo aos moradores de favelas na região.

Nas duas hortas cultivadas por elas, há cerca de 45 variedades de plantas usadas para muitos fins. "A gente se reúne para trabalhar as ervas e fazer diversos produtos. Vendemos para quem precisa pelo preço de R$ 2, só para ajudar a pagar o custo de alguns materiais", conta Antônia Salustiano da Costa, de 62 anos, moradora do Parque Proletário. Parte da produção do grupo é distribuída entre outras 48 comunidades através da Associação de Moradores do Morro do Caracol.

O grupo começou a se reunir em encontros promovidos pela Pastoral das Favelas da Penha, em 1985. "Naquela época não tinha tantos médicos e era a gente que socorria e orientava as pessoas, tirava pressão, receitava e cadastrava as casas que tinham pessoas acamadas", lembra Maria Catarina, 62, outra moradora do Parque Proletário.

As receitas de medicina popular à base de ervas já eram usadas por elas como tratamentos alternativos e mais baratos. Para juntar o conhecimento de todas e viabilizar um trabalho coletivo, uma casa para sediar as reuniões foi construída em um terreno doado pelo padre Beno Selhorst, o responsável pelo fundação do projeto junto à pastoral. Logo surgiram as hortas comunitárias - uma no Parque Proletário, ao lado da sede do grupo, e outra na Merendiba.

"Começamos a plantar as ervas que a gente conhecia da roça. Como lá não tinha médico, era com as plantas que o povo se tratava", conta Antônia, que mora a algumas casas da horta principal e é responsável por sua manutenção diária. "Esta sabedoria quem nos passou foram nossas avós e bisavós, na época em que as parteiras faziam os partos e aprendiam seu ofício com a curiosidade", lembra Creusa da Costa Veríssimo, 76 anos, a integrante mais velha do grupo, moradora da Merendiba. Nascida em Campina Grande, na Paraíba, ela mudou-se para o Rio de Janeiro aos 21 anos. Casada, criou seus três filhos, neto e três bisnetos com os chás e xaropes que usava na sua terra natal.

Treinadas pela equipe da pastoral para atuarem como agentes de saúde da comunidade, de casa em casa, elas passaram a transmitir noções de higiene, cuidados pessoais, aplicar injeções, fazer curativos e distribuir receitas. "A gente encontrava alguém doente nas casas e encaminhava para o médico. Era aí que a pessoa piorava, porque o remédio era muito caro e quase ninguém podia fazer os tratamentos", conta Creusa, que tem sempre uma receita para dar. Ao longo do anos elas se tornaram referência na comunidade. "Volta e meia aparece algum menino machucado lá em casa dizendo: ‘Tia, tem aquele remédio que dói?", diz Catarina, referindo-se ao "santo merthiolate caseiro", uma tintura de cascas de aroeira e de caju, em álcool de cereais.

Os resultados positivos do trabalho são comprovados até mesmo pelos profissionais de saúde da região. "O efeito expectorante dos xaropes feitos pelo Sementinha é excepcional. É um trabalho formidável que aproveita os recursos disponíveis e acessíveis a todos", opina Dr. Maurício de Oliveira Ferreira, médico do Programa Saúde da Família que atende no posto de saúde do Grotão, no próprio Complexo. Acompanhando o projeto há 15 anos, a educadora de terapias naturais Carla Moura ressalta a confiança que a comunidade deposita no grupo: "Elas conhecem a comunidade como ninguém porque vão em cada casa, fazem curativos, aplicam injeções e até levam para hospital em caso de urgência. São muito respeitadas por todos".

Encontro de gerações
Da formação inicial do grupo de 13 mulheres permanecem apenas quatro. As pioneiras são imigrantes de Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e do interior do Rio de Janeiro. Hoje, o Sementinha é formado também por cinco representantes da segunda geração do trabalho. "Nasci e me criei na comunidade e estou no projeto há 15 anos", conta Maria de Lourdes dos Santos Gomes, 38, moradora do Morro do Caracol e filha de Neusa Dias dos Santos, uma das integrantes iniciais.

De tanto recorrer às vizinhas para saber o melhor jeito de tratar uma dor de barriga ou um resfriado nos filhos, Solange José Raimundo de Abreu, 40, moradora do Caracol, juntou-se ao grupo. "Estava sempre tocando na casa delas e comecei a me interessar em plantar as ervas também", conta. Sempre que algum de seus quatro filhos fica doente, ela aplica uma receita caseira e o resultado, segundo ela, é imediato. "Meu marido achava que esse negócio de chazinho não adiantava nada. Mandava dar remédio de farmácia. Mas com o tempo, começou a ver que funcionava e mudou de opinião, até porque é bem mais barato", empolga-se a mais nova integrante do grupo.

Já Maria de Lourdes começou a se engajar no Sementinha como professora das turmas de alfabetização para adultos que funcionava na sede. Atualmente, cerca de 25 crianças têm aulas no local, com idades entre 3 e 5 anos. "Criamos atividades diárias para movimentar a sede e evitar que fosse ocupada indevidamente. E isso integrou ainda mais a comunidade com o projeto", afirma. Ela se tornou agente de saúde, começou a estudar enfermagem e coordena o grupo há três anos.

"No começo era bem diferente. Tinha muito lixo, ratos e disseminação de doenças. Tivemos que trabalhar duro para conseguir melhorar a situação", conta Neusa, 57, que mora no Caracol há mais de 30 anos. Mesmo com a melhoria no acesso à água tratada, o aumento dos postos de saúde e a pavimentação de algumas ruas da comunidade, ainda há muito trabalho a fazer. "A doença mais grave que encontramos é a fome. É também a mais difícil de erradicar", constata Creusa.

Sem terra e com esperança
O trabalho do grupo é voluntário e os custos de material são pagos pela venda dos produtos. "Somos sustentadas pela graça de Deus", completa Creusa. "Nossa maior dificuldade é a falta de suporte financeiro. Já tivemos apoio da Alemanha e uma doação do Canadá, mas acabaram. A escola precisa de reformas e a horta está quase parada", lamenta Maria de Lourdes. Ela busca patrocinadores para o projeto ou simplesmente alguém que ajude a consertar as infiltrações da escolinha.

O Sementinha tem outra grande dificuldade. "Há alguns anos, compramos um caminhão de terra com o dinheiro de uma doação canadense. Mas era ruim e nela não crescia nada", conta Antônia. Para que a horta volte a florescer, seria necessário substituir a terra antiga por uma nova, adubada e fértil. "Acredito que se a gente conseguir a terra, as pessoas da comunidade ajudam com a mão-de-obra", diz Neusa.

Apesar das más condições atuais, algumas ervas e plantas resistem firmes e fortes como assa-peixe, guaco, aroeira, boldo, colônia, erva de bicho e chapéu de couro. Outras, que não crescem mais na horta, têm que ser compradas fora. "Com esta terra, nem tudo dá. Temos que ir na feira e em locais onde se vende mudas e isso representa mais custos", observa Catarina. Mas as mulheres não desanimam e são estimuladas pelo retorno do seu trabalho. "As crianças e os idosos são os maiores beneficiados, nossas receitas aliviam crises de bronquite, diarréia, resfriados, diabetes, pressão alta, febres e um monte de mazelas que atingem a nossa população", orgulha-se Antônia, que só utiliza remédios convencionais em casos mais sérios.

Mesmo confiantes da eficácia dos tratamentos alternativos, elas sabem bem a hora em que é preciso recorrer a um posto de saúde ou hospital. "A gente ensina como prevenir e diminuir os efeitos de uma doença, mas há casos que tem mesmo que levar no hospital, como uma diarréia braba e uma crise de pressão alta", ressalta Berenice Barros Pereira, 38. "O tratamento com ervas medicinais é eficaz quando existe a orientação de profissionais de saúde", opina o Dr. Maurício. Por sua vez, Neusa explica: "É importante saber que o sucesso do tratamento com ervas depende do organismo de cada um. Pode ser que um remédio dê certo em uma pessoa e não dê em outra. O jeito é experimentar".

E nunca é tarde para aprender uma receita nova. "Estava com uma dor nas costas e não conseguia nem me mexer. Uma amiga me aconselhou a fazer chá com a folha de amendoeira seca, aquelas que ficam caídas no chão. Sabe que resolveu?", surpreende-se ela. "Costumo dizer que as ervas não trazem a cura, elas só aliviam. Ficar curado é algo que só acontece quando a gente morre. Enquanto estiver viva, a pessoa vai ter um monte de doenças", filosofa Creusa.

Depois de 13 anos colecionando receitas, elas conseguiram reunir em um livro com recomendações de chás, banhos e rezas orientadas pelo CEPEL - Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina, uma ONG que apóia projetos comunitários da região. O Guia do bem-estar, um trabalho de esperança é vendido a R$ 10 nas reuniões mensais na sede no Parque Proletário. A função do guia é difundir as receitas e estimular a formação de grupos semelhantes em outros locais. "Enquanto tivermos saúde pretendemos continuar o trabalho em prol da comunidade", afirma Catarina. E enquanto a ajuda financeira não chega, elas continuam plantando as sementes da solidariedade e promovendo a melhoria nas condições de vida de sua vizinhança.

Dicas do Sementinha:
- A secagem das folhas e flores deve sempre ser feita à sombra em local arejado e limpo.

- É importante saber que as folhas e flores devem ser cortadas em pedacinhos para fazer a infusão. Coloque as ervas em uma vasilha e derrame água fervendo em cima, tampe bem e deixe descansar por 10 minutos.

- Cascas, galhos e raiz devem ser cozidos em água fervente por 10 ou 15 minutos.

Anemia: Tome diariamente uma xícara de suco de beterraba crua logo depois do almoço durante 10 dias. Folhas verde-escuras como agrião, salsa, couve, espinafre e bertalha têm muito ferro. Utilize-as sempre que possível nas refeições.

Bronquite: Chá de hortelã pimenta: use cinco folhas para um copo (250ml) de água. Ferva e deixe descansar por 10 minutos e tome uma xícara de quatro em quatro horas. Outra receita é o chá de guaco: pegue duas folhas para um copo de água, ferva, deixe descansar e tome três vezes ao dia.


Saber popular das ervas
Cólica menstrual
: Chá de erva-cidreira ou capim santo. Coloque três folhas dentro de um copo com água quente fervida e tampe. Espere esfriar e tome duas vezes ao dia.

Corrimento vaginal: Faça um chá com três folhas de cada uma dessas ervas: malva, picão, transagem e confrei em um litro de água. Deixe amornar. Use em banho de assento uma vez ao dia durante três dias seguidos.

Coceira na vagina: Faça um chá com três folhas de arnica, um punhado de erva tostão, cinco folhas de aroeira em um litro de água. Tome uma xícara pela manhã e use o restante para limpar o local. Use até ficar boa, mas não tome este chá por mais de 15 dias seguidos. Após este período é preciso suspender o tratamento por sete dias para recomeçá-lo.

Caspa: Ponha de molho um punhado de cravo-da-índia e depois ferva em um litro de água por 10 minutos. Use esta água para enxaguar os cabelos após o banho.

Desidratação: Use o soro caseiro (um litro de água fervida, uma colher de café de sal e uma colher de sopa de açúcar) aliado a um caldo de banana verde. Ferva a banana verde e tome o caldo em pequenos goles. No início, de cinco em cinco minutos e, depois, a cada 10 minutos.

Diarréia: Um chá feito com broto de goiabeira é bom para qualquer tipo de diarréia e a folha da erva-cidreira também. Prepare um chá com uma das duas ervas, acrescente uma pitada de sal e tome. Caso a diarréia seja muito forte e persistente, com febre e vômitos, é preciso correr para um posto de saúde.

Queda de cabelo: Faça uma infusão com oito folhas grandes de batata-doce em um litro e meio de água. Deixe esfriar e enxágüe os cabelos por cinco minutos, molhando bem o couro cabeludo.



MARAIANA LEAL
do site Beleza Pura

 
 
 

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