Com flores, folhas e cascas de árvore
elas preparam xaropes, tinturas e chás que aliviam
as mais diversas doenças. Há 19 anos, um grupo
de mulheres do Complexo do Caricó, na Penha (Zona Norte
carioca), vem realizando um trabalho de saúde e de
resgate da sabedoria popular. O projeto Sementinha leva receitas
simples e de baixo custo aos moradores de favelas na região.
Nas duas hortas cultivadas por elas, há cerca de 45
variedades de plantas usadas para muitos fins. "A gente
se reúne para trabalhar as ervas e fazer diversos produtos.
Vendemos para quem precisa pelo preço de R$ 2, só
para ajudar a pagar o custo de alguns materiais", conta
Antônia Salustiano da Costa, de 62 anos, moradora do
Parque Proletário. Parte da produção
do grupo é distribuída entre outras 48 comunidades
através da Associação de Moradores do
Morro do Caracol.
O grupo começou a se reunir em encontros promovidos
pela Pastoral das Favelas da Penha, em 1985. "Naquela
época não tinha tantos médicos e era
a gente que socorria e orientava as pessoas, tirava pressão,
receitava e cadastrava as casas que tinham pessoas acamadas",
lembra Maria Catarina, 62, outra moradora do Parque Proletário.
As receitas de medicina popular à base de ervas já
eram usadas por elas como tratamentos alternativos e mais
baratos. Para juntar o conhecimento de todas e viabilizar
um trabalho coletivo, uma casa para sediar as reuniões
foi construída em um terreno doado pelo padre Beno
Selhorst, o responsável pelo fundação
do projeto junto à pastoral. Logo surgiram as hortas
comunitárias - uma no Parque Proletário, ao
lado da sede do grupo, e outra na Merendiba.
"Começamos a plantar as ervas que a gente conhecia
da roça. Como lá não tinha médico,
era com as plantas que o povo se tratava", conta Antônia,
que mora a algumas casas da horta principal e é responsável
por sua manutenção diária. "Esta
sabedoria quem nos passou foram nossas avós e bisavós,
na época em que as parteiras faziam os partos e aprendiam
seu ofício com a curiosidade", lembra Creusa da
Costa Veríssimo, 76 anos, a integrante mais velha do
grupo, moradora da Merendiba. Nascida em Campina Grande, na
Paraíba, ela mudou-se para o Rio de Janeiro aos 21
anos. Casada, criou seus três filhos, neto e três
bisnetos com os chás e xaropes que usava na sua terra
natal.
Treinadas pela equipe da pastoral para atuarem como agentes
de saúde da comunidade, de casa em casa, elas passaram
a transmitir noções de higiene, cuidados pessoais,
aplicar injeções, fazer curativos e distribuir
receitas. "A gente encontrava alguém doente nas
casas e encaminhava para o médico. Era aí que
a pessoa piorava, porque o remédio era muito caro e
quase ninguém podia fazer os tratamentos", conta
Creusa, que tem sempre uma receita para dar. Ao longo do anos
elas se tornaram referência na comunidade. "Volta
e meia aparece algum menino machucado lá em casa dizendo:
‘Tia, tem aquele remédio que dói?",
diz Catarina, referindo-se ao "santo merthiolate caseiro",
uma tintura de cascas de aroeira e de caju, em álcool
de cereais.
Os resultados positivos do trabalho são comprovados
até mesmo pelos profissionais de saúde da região.
"O efeito expectorante dos xaropes feitos pelo Sementinha
é excepcional. É um trabalho formidável
que aproveita os recursos disponíveis e acessíveis
a todos", opina Dr. Maurício de Oliveira Ferreira,
médico do Programa Saúde da Família que
atende no posto de saúde do Grotão, no próprio
Complexo. Acompanhando o projeto há 15 anos, a educadora
de terapias naturais Carla Moura ressalta a confiança
que a comunidade deposita no grupo: "Elas conhecem a
comunidade como ninguém porque vão em cada casa,
fazem curativos, aplicam injeções e até
levam para hospital em caso de urgência. São
muito respeitadas por todos".
Encontro de gerações
Da formação inicial do grupo de 13
mulheres permanecem apenas quatro. As pioneiras são
imigrantes de Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do
Norte e do interior do Rio de Janeiro. Hoje, o Sementinha
é formado também por cinco representantes da
segunda geração do trabalho. "Nasci e me
criei na comunidade e estou no projeto há 15 anos",
conta Maria de Lourdes dos Santos Gomes, 38, moradora do Morro
do Caracol e filha de Neusa Dias dos Santos, uma das integrantes
iniciais.
De tanto recorrer às vizinhas para saber o melhor
jeito de tratar uma dor de barriga ou um resfriado nos filhos,
Solange José Raimundo de Abreu, 40, moradora do Caracol,
juntou-se ao grupo. "Estava sempre tocando na casa delas
e comecei a me interessar em plantar as ervas também",
conta. Sempre que algum de seus quatro filhos fica doente,
ela aplica uma receita caseira e o resultado, segundo ela,
é imediato. "Meu marido achava que esse negócio
de chazinho não adiantava nada. Mandava dar remédio
de farmácia. Mas com o tempo, começou a ver
que funcionava e mudou de opinião, até porque
é bem mais barato", empolga-se a mais nova integrante
do grupo.
Já Maria de Lourdes começou a se engajar no
Sementinha como professora das turmas de alfabetização
para adultos que funcionava na sede. Atualmente, cerca de
25 crianças têm aulas no local, com idades entre
3 e 5 anos. "Criamos atividades diárias para movimentar
a sede e evitar que fosse ocupada indevidamente. E isso integrou
ainda mais a comunidade com o projeto", afirma. Ela se
tornou agente de saúde, começou a estudar enfermagem
e coordena o grupo há três anos.
"No começo era bem diferente. Tinha muito lixo,
ratos e disseminação de doenças. Tivemos
que trabalhar duro para conseguir melhorar a situação",
conta Neusa, 57, que mora no Caracol há mais de 30
anos. Mesmo com a melhoria no acesso à água
tratada, o aumento dos postos de saúde e a pavimentação
de algumas ruas da comunidade, ainda há muito trabalho
a fazer. "A doença mais grave que encontramos
é a fome. É também a mais difícil
de erradicar", constata Creusa.
Sem terra e com esperança
O trabalho do grupo é voluntário e
os custos de material são pagos pela venda dos produtos.
"Somos sustentadas pela graça de Deus", completa
Creusa. "Nossa maior dificuldade é a falta de
suporte financeiro. Já tivemos apoio da Alemanha e
uma doação do Canadá, mas acabaram. A
escola precisa de reformas e a horta está quase parada",
lamenta Maria de Lourdes. Ela busca patrocinadores para o
projeto ou simplesmente alguém que ajude a consertar
as infiltrações da escolinha.
O Sementinha tem outra grande dificuldade. "Há
alguns anos, compramos um caminhão de terra com o dinheiro
de uma doação canadense. Mas era ruim e nela
não crescia nada", conta Antônia. Para que
a horta volte a florescer, seria necessário substituir
a terra antiga por uma nova, adubada e fértil. "Acredito
que se a gente conseguir a terra, as pessoas da comunidade
ajudam com a mão-de-obra", diz Neusa.
Apesar das más condições atuais, algumas
ervas e plantas resistem firmes e fortes como assa-peixe,
guaco, aroeira, boldo, colônia, erva de bicho e chapéu
de couro. Outras, que não crescem mais na horta, têm
que ser compradas fora. "Com esta terra, nem tudo dá.
Temos que ir na feira e em locais onde se vende mudas e isso
representa mais custos", observa Catarina. Mas as mulheres
não desanimam e são estimuladas pelo retorno
do seu trabalho. "As crianças e os idosos são
os maiores beneficiados, nossas receitas aliviam crises de
bronquite, diarréia, resfriados, diabetes, pressão
alta, febres e um monte de mazelas que atingem a nossa população",
orgulha-se Antônia, que só utiliza remédios
convencionais em casos mais sérios.
Mesmo confiantes da eficácia dos tratamentos alternativos,
elas sabem bem a hora em que é preciso recorrer a um
posto de saúde ou hospital. "A gente ensina como
prevenir e diminuir os efeitos de uma doença, mas há
casos que tem mesmo que levar no hospital, como uma diarréia
braba e uma crise de pressão alta", ressalta Berenice
Barros Pereira, 38. "O tratamento com ervas medicinais
é eficaz quando existe a orientação de
profissionais de saúde", opina o Dr. Maurício.
Por sua vez, Neusa explica: "É importante saber
que o sucesso do tratamento com ervas depende do organismo
de cada um. Pode ser que um remédio dê certo
em uma pessoa e não dê em outra. O jeito é
experimentar".
E nunca é tarde para aprender uma receita nova. "Estava
com uma dor nas costas e não conseguia nem me mexer.
Uma amiga me aconselhou a fazer chá com a folha de
amendoeira seca, aquelas que ficam caídas no chão.
Sabe que resolveu?", surpreende-se ela. "Costumo
dizer que as ervas não trazem a cura, elas só
aliviam. Ficar curado é algo que só acontece
quando a gente morre. Enquanto estiver viva, a pessoa vai
ter um monte de doenças", filosofa Creusa.
Depois de 13 anos colecionando receitas, elas conseguiram
reunir em um livro com recomendações de chás,
banhos e rezas orientadas pelo CEPEL - Centro de Estudos e
Pesquisas da Leopoldina, uma ONG que apóia projetos
comunitários da região. O Guia do bem-estar,
um trabalho de esperança é vendido a R$ 10 nas
reuniões mensais na sede no Parque Proletário.
A função do guia é difundir as receitas
e estimular a formação de grupos semelhantes
em outros locais. "Enquanto tivermos saúde pretendemos
continuar o trabalho em prol da comunidade", afirma Catarina.
E enquanto a ajuda financeira não chega, elas continuam
plantando as sementes da solidariedade e promovendo a melhoria
nas condições de vida de sua vizinhança.
Dicas do Sementinha:
- A secagem das folhas e flores deve sempre ser feita
à sombra em local arejado e limpo.
- É importante saber que as folhas e flores devem ser
cortadas em pedacinhos para fazer a infusão. Coloque
as ervas em uma vasilha e derrame água fervendo em
cima, tampe bem e deixe descansar por 10 minutos.
- Cascas, galhos e raiz devem ser cozidos em água fervente
por 10 ou 15 minutos.
Anemia: Tome diariamente uma xícara
de suco de beterraba crua logo depois do almoço durante
10 dias. Folhas verde-escuras como agrião, salsa, couve,
espinafre e bertalha têm muito ferro. Utilize-as sempre
que possível nas refeições.
Bronquite: Chá de hortelã
pimenta: use cinco folhas para um copo (250ml) de água.
Ferva e deixe descansar por 10 minutos e tome uma xícara
de quatro em quatro horas. Outra receita é o chá
de guaco: pegue duas folhas para um copo de água, ferva,
deixe descansar e tome três vezes ao dia.
Saber popular das ervas
Cólica menstrual: Chá de erva-cidreira
ou capim santo. Coloque três folhas dentro de um copo
com água quente fervida e tampe. Espere esfriar e tome
duas vezes ao dia.
Corrimento vaginal: Faça um chá
com três folhas de cada uma dessas ervas: malva, picão,
transagem e confrei em um litro de água. Deixe amornar.
Use em banho de assento uma vez ao dia durante três
dias seguidos.
Coceira na vagina: Faça um chá
com três folhas de arnica, um punhado de erva tostão,
cinco folhas de aroeira em um litro de água. Tome uma
xícara pela manhã e use o restante para limpar
o local. Use até ficar boa, mas não tome este
chá por mais de 15 dias seguidos. Após este
período é preciso suspender o tratamento por
sete dias para recomeçá-lo.
Caspa: Ponha de molho um punhado de cravo-da-índia
e depois ferva em um litro de água por 10 minutos.
Use esta água para enxaguar os cabelos após
o banho.
Desidratação: Use o soro caseiro
(um litro de água fervida, uma colher de café
de sal e uma colher de sopa de açúcar) aliado
a um caldo de banana verde. Ferva a banana verde e tome o
caldo em pequenos goles. No início, de cinco em cinco
minutos e, depois, a cada 10 minutos.
Diarréia: Um chá feito com
broto de goiabeira é bom para qualquer tipo de diarréia
e a folha da erva-cidreira também. Prepare um chá
com uma das duas ervas, acrescente uma pitada de sal e tome.
Caso a diarréia seja muito forte e persistente, com
febre e vômitos, é preciso correr para um posto
de saúde.
Queda de cabelo: Faça uma infusão
com oito folhas grandes de batata-doce em um litro e meio
de água. Deixe esfriar e enxágüe os cabelos
por cinco minutos, molhando bem o couro cabeludo.
MARAIANA LEAL
do site Beleza Pura
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