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entrevista
04/08/2004
Sanitário seco compostável transforma dejetos em adubo

"As sociedades urbanas sofrem de fecofobia", afirma Walter Oliveira, coordenador de projetos e pesquisa da EcoCasa/EcoFabrica. Ele se refere à barreira cultural das sociedades urbanas em lidar com as possibilidades de aproveitamento dos dejetos humanos. A empresa paulista que ele representa investe em adaptações de um produto ainda pouco conhecido: o sanitário seco compostável. A tecnologia transforma as fezes em adubo orgânico – sem uso de água e através de um processo bioquímico.

Segundo ele, o sistema foi introduzido no Brasil pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado – IPEC, localizado em Pirenópolis (GO). "A cada ano no país em torno de 160 milhões de toneladas de dejetos humanos são transformadas em poluição e depositadas junto com o lixo urbano ou despejadas nos rios. O banheiro seco é uma solução simples, ecológica e economicamente viável para solucionar esse e outros problemas", garante Walter, que destaca nesta entrevista as vantagens do sanitário em relação ao modelo convencional.

Como funciona o sanitário seco compostável?
O sanitário seco é uma tecnologia consagrada em diversos países do mundo, que transforma o que é visto como problema - os dejetos humanos - em adubo orgânico, recurso valioso para agricultura. É "seco" porque não utiliza ou desperdiça água. É "compostável" pois se vale de um processo bioquímico que, por meio da ação de bactérias e microorganismos, converte os dejetos em composto orgânico fértil e isento de patogênicos. E, principalmente, é "ecológico" por se aproveitar dos ciclos biológicos naturais não tendo como produto o esgoto e, portanto, não contaminando a água.

Como se estrutura o sanitário?
O sanitário é composto de três partes: a cabine de uso; duas câmaras de compostagem e o sistema mecânico de adição de material orgânico seco rico em carbono, como serragem, aparas de grama e cascas de arroz. O sistema mecânico de adição de carbono garante de maneira simples, através de um sistema de cabos e polias (roda de ferro) acionado a partir da abertura e do fechamento da porta, a ativação e a manutenção do processo de compostagem. A cabine é aparentemente igual a de qualquer sanitário convencional, apresentando uma única diferença: a parte oca do interior do vaso é construída de maneira que não se tenha contato visual com o dejeto. As câmaras de compostagem ficam abaixo do vaso sanitário, de modo a promover o aquecimento solar e a ventilação do material para favorecer o processo de compostagem. A ventilação é garantida por um duto/chaminé que através de um processo chamado termossifão (ventilação solar) torna o sanitário inodoro. A câmara conta, ainda, com duas comportas no nível do solo que facilitam a retirada do material tratado – com uma enxada, por exemplo.

Qual a diferença na utilização deste sistema para o tradicional?
A única diferença é que em vez de acionar a descarga com água, o sistema adiciona no vaso uma porção de serragem (ou outro material rico em carbono) e fecha sua tampa automaticamente para evitar a entrada de insetos. Essa rotina se repete todo dia, até que a câmara de compostagem esteja cheia. Quando a primeira câmara estiver com sua capacidade esgotada, ela deve ser fechada (com uma tampa, um vaso de plantas etc.) a fim de que ocorra processo de compostagem. Assim, quando a segunda câmara tiver esgotado seu uso, a primeira já pode ser esvaziada e utilizada novamente, e assim em diante.

Quais as vantagens?
A principal é o fato de o sistema não misturar fezes com água potável e, assim, não gerar a enorme quantidade de esgoto que muitas vezes acaba poluindo as águas. Além disso, o sanitário transforma o que antes era problema (esgoto) em recurso, já que ao final do ciclo produz húmus. Isso representa verdadeira reciclagem de fertilizantes agrícolas, uma vez que os nutrientes dos alimentos ingeridos retornarão para o solo. Existem, ainda, inúmeras outras vantagens: não requer instalações hidráulicas, não produz lixo contaminante, elimina agentes patogênicos, produz um subproduto livre de odores e passível de manuseio, permite a reutilização do material como composto orgânico, dispensa maquinários em sua manutenção anual, tem custo operacional irrisório, não agride o meio ambiente e possui um alto potencial de capitalização em marketing ecológico.

No Brasil, qual a porcentagem de esgoto que não tem tratamento e polui o meio ambiente?
Ainda que só 0,1% do esgoto de origem doméstica seja constituído de impurezas de natureza física, química e biológica, e o restante seja água, o contato com esses efluentes e a sua ingestão é responsável por cerca de 80% das doenças e 65% das internações hospitalares. Atualmente, apenas 10% do total de esgoto produzido recebem algum tipo de tratamento, os outros 90% são despejados "in natura" nos solos, rios, córregos e nascentes, constituindo-se a maior fonte de degradação do meio ambiente e de proliferação de doenças. Por isso, a eliminação do esgoto proveniente dos sanitários representa uma grande vantagem. É relevante lembrar que a cada ano 160 milhões de toneladas de dejetos humanos são produzidos no Brasil e o uso de adubos químicos devasta por ano 17 milhões de hectares de florestas tropicais e 24 bilhões de toneladas de solo. Vale saber que o mundo economizaria 19 bilhões de dólares em fertilizantes se usasse corretamente os dejetos como adubo orgânico.

A tecnologia pode ser aplicada em áreas urbanas, como comunidades de baixa renda e no terreno montanhoso de favelas?
Com certeza! Existem diversos modelos de sanitários compostáveis aplicáveis em variados tipos de clima, de relevo, e para diferentes necessidades de uso. Os terrenos montanhosos são, na verdade, excelentes para a construção. Isso porque na maioria das vezes os sanitários são construídos em dois pavimentos e, sendo assim, o relevo acidentado exclui a necessidade de uma escada de acesso à cabine. Além disso, o sanitário seco pode ser construído em regime de mutirão e o húmus produzido pode ser utilizado em minhocários comunitários e vendido, gerando renda para essas comunidades. Num caso como esse a responsabilidade ambiental torna-se um fator palpável para todos os participantes.

O uso dessa tecnologia encontra resistências?
O problema começa na barreira cultural observada com mais freqüência nas sociedades urbanas. Costumamos chamá-la de fecofobia ou medo dos próprios dejetos. É só reparar os sistemas sanitários convencionais - que praticamente escondem os dejetos utilizando odorizadores de vaso e um visual totalmente clean (limpo, em inglês) – para verificar a maneira quase auto-destrutiva de se lidar com os recursos hídricos e com as possibilidades de manejo dos dejetos. A idéia de se utilizar o próprio dejeto, para qualquer que seja o fim, é realmente algo quase assustador para uma sociedade desavisada de suas próprias mazelas futuras. Já no meio rural as pessoas são acostumadas a lidar com o esterco, conhecem o potencial da matéria orgânica e a funcionalidade de se acompanhar os ciclos biológicos da natureza. Outra possível barreira à implantação dessa tecnologia no meio urbano é a necessidade de espaço físico, já que o sanitário deve ser instalado em áreas externas (pois nessas áreas a ventilação solar e o aquecimento da câmara são assegurados).

No caso da EcoCasa, já foi feita alguma parceria no sentido de implantar a tecnologia em áreas urbanas? Nesse caso, qual o prazo médio para a construção e qual a estimativa de custo?
O que fizemos foi pesquisar e desenvolver um projeto adequável a diversas situações. A idéia é que a comunidade sempre saia ganhando. Imagino que ONGs, universidades ou projetos governamentais possam viabilizar a construção de sanitários em larga escala. Vale ressaltar que num prazo de 60 dias é possível construir no local até 30 sanitários ou mesmo até 120 pré-fabricados. Calculo que a construção de uma única unidade, com capacidade para atender ao uso de cerca de 50 pessoas, por exemplo, tenha o custo em torno de R$ 8 mil. Esperamos que a partir dessa primeira exposição do nosso trabalho no EcoPop a gente possa ampliar expectativas em relação a parcerias.

Como é feita a manutenção do sistema? Inclui custo adicional?O sistema é desenhado para suportar, no mínimo, seis meses de uso em cada câmara. O custo de manutenção é praticamente irrisório. Uma operação necessária para o pleno funcionamento é a alimentação do reservatório com a serragem ou outro material rico em carbono, que é feita de maneira automática. A garantia do sistema é a mesma para qualquer tipo de obra: conforme a legislação vigente, são oferecidos cinco anos para instalações de obra civil e um ano para materiais pré-fabricados. Nesse último caso a garantia é oferecida pelo próprio fabricante.

Mas os dejetos de até 50 pessoas ficam acumulados lá seis meses e não há mau cheiro?
Exatamente, o banheiro seco compostável é, inclusive, mais higiênico do que o convencional. O sistema automático de adição de material carbônico ao sanitário assegura que, uma vez na câmara de compostagem, os dejetos serão tratados ao longo deste período e transformados em adubo orgânico. Além disso, a ventilação solar torna o sanitário inodoro.

Como e onde surgiu a tecnologia do sanitário seco?
Diversos povos, principalmente orientais, não misturavam fezes com água potável. Conhecemos exemplos de sanitários compostáveis do século 18, nos Estados Unidos. Países que sofrem com escassez de água de chuva geralmente adotam a tecnologia. Na realidade, ela é uma compilação de várias técnicas de fossas secas praticadas tanto na América Central e do Norte quanto nos países do Oriente Médio e da Oceania. O problema hídrico nesses países sempre foi um grande impulso para o desenvolvimento de soluções realmente eficazes para as questões do saneamento e da agricultura. O México e a Austrália talvez sejam os países que tenham dado mais ênfase no uso popular desses sistemas. No Brasil, a tecnologia foi introduzida há cerca de sete anos por André Soares no IPEC - Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado, localizado em Pirenópolis (GO). O IPEC pratica e desenvolve diversas técnicas voltadas para o desenvolvimento sustentável e constitui valiosa referência não apenas nas questões sanitárias mas também nas técnicas de planejamento habitacional, rural, sistemas construtivos e de energias renováveis. Foram construídos e testados pelo IPEC alguns sanitários secos e a partir de então foi feito um estudo prático muito interessante.

Quais adaptações foram feitas para a realidade brasileira?
A equipe do IPEC conseguiu chegar a um modelo eficiente mas que ainda dependia de alguns cuidados como a adição manual da serragem no sanitário e o fechamento da tampa após o uso. Com a intenção de se instalar o sistema em larga escala, a EcoCasa investiu no desenvolvimento da automatização desse sistema de adição de carbono e também na idealização de sistemas térreos pré-fabricados em PRFV ou fibra de vidro – o que garante rapidez na construção e mobilidade do sistema. Outros materiais foram levantados para que possamos nos valer ao máximo de recursos locais para as obras.

Quem quiser conhecer exemplos de sanitários secos construídos no Brasil onde pode encontrar?
A técnica já é utilizada em diversas comunidades. Para quem tem interesse em conhecê-la, vale visitar o IPEC, em Pirenópolis; o Instituto de Certificação Florestal da Amazônia (IMAFLORA), em Piracicaba (SP); o Sítio Beira Serra, em Botucatu (SP), e alguns trabalhos de organizações não governamentais em comunidades ribeirinhas de baixa renda em Boa Vista do Ramos (AM). Para mais informações, favor entrar em contato com a equipe da EcoCasa pelo e-mail walter@ecocasa.com.br ou visitar o site www.ecocasa.com.br.

JULIA DUQUE ESTARADA
do site EcoPop

 
 
 

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