Manual mostra onde estão
os fundos públicos e a melhor maneira de chegar até
eles
A Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong) lançou, recentemente,
a quinta edição do "Manual de Fundos Públicos
- Controle Social e Acesso aos Recursos Públicos".
A publicação apresenta os recursos disponíveis
na forma de Programas (mantidos pelos governos brasileiro
e alguns estrangeiros), de Fundos governamentais e de recursos
geridos por órgãos federais, às vezes,
em parceria com os governos estaduais e municipais. O leitor
vai encontrar também a estrutura de financiamento e
administração de programas do governos brasileiro,
a legislação para assinatura de convênios,
registros em órgãos públicos e obtenção
de certificados.
Para facilitar sua consulta, o livro foi dividido em nove
áreas: saúde, educação, assistência
social, cultura, meio ambiente, direitos difusos, agricultura,
direitos humanos e trabalho, emprego e renda.
Nesses cinco anos, como conta Alexandre Ciconello, coordenador
do escritório da Abong em Brasília, o manual
mudou bastante. No início de sua publicação,
pouco se sabia sobre o assunto. O objetivo do livro era levantar
informações sobre recursos públicos federais
e indicar às organizações não-governamentais
como chegar até eles.
Hoje, os objetivos foram ampliados. Segundo Ciconello, a
publicação fez com que as ONGs passassem a influenciar
mais no destino dos recursos públicos e exercessem
um controle social desses recursos mais efetivo, observando
se o orçamento e a realização dos programas
governamentais estavam sendo desenvolvidos da forma prevista.
O coordenador afirma também que a existência
do Manual provocou uma transparência maior nos órgãos
federais, que sistematizaram e a tornaram públicas
(em seus sites e por meio de editais) as informações
sobre como a sociedade civil pode obter recursos públicos.
De fato, o acesso a esse tipo de financiamento foi ampliado
às ONGs na última década. Uma pesquisa
realizada pela Abong em 2001, junto às suas associadas,
revelou que, em 1993, apenas 3,2 % dos recursos das organizações
eram provenientes de órgãos governamentais.
Já 2000, 5,03% dos recursos vinham de órgãos
municipais, 5,93% estaduais e 7,5% federais. Juntos somam
18,46% de recursos provenientes de órgãos públicos,
o que representa a segunda maior fonte de recursos das associadas
Abong, atrás apenas do financiamento internacional.
Relações Perigosas
Alexandre Ciconello explica que a relação
entre Estado e organizações sociais é
bastante delicada. Na sua avaliação, as organizações
devem manter três diferentes tipos de diálogo
com o Estado. Em primeiro lugar, devem controlar o encaminhamento
dos recursos e das políticas públicas governamentais
- passo fundamental para se evitar desvios e irregularidades.
Além disso, devem colaborar na elaboração
das políticas, junto com o Estado (para isso, foram
criados diversos conselhos, com representação
equivalente do poder público e da sociedade civil).
A terceira função das ONGs seria o auxílio
na execução das políticas públicas
propriamente ditas ou na elaboração de projetos
estatais.
Para o coordenador, o problema está nesse último
ponto. Ele avalia que, nos últimos anos, o Estado brasileiro
vem abdicando de sua responsabilidade e aproveitando-se do
Terceiro Setor. Ele considera que o Estado, usando o discurso
da necessidade de se estabelecer parcerias com a sociedade
civil, terceirizou a execução das políticas
públicas para diminuir seus gastos. As organizações,
então, passaram a ser encaradas como "prestadoras
de serviços sociais", sem autonomia para realizarem
o trabalho da forma que consideravam mais adequadas. As parcerias
foram criadas não porque o Estado reconhecesse a necessidade
do fortalecimento dessas organizações para a
criação de um ambiente verdadeiramente democrático,
mas para facilitar seu trabalho.
A partir do momento que as ONGs passaram a executar praticamente
sozinhas as políticas públicas, afirma Alexandre
Ciconello, ficaram sem tempo para exercer suas outras funções
sociais. Isso gerou diversos problemas. Um exemplo é
o caso da saúde indígena. "De um dia para
outro, as organizações tornaram-se responsáveis
pelo atendimento aos índios e começaram a receber
recursos vultosos para implementar as políticas públicas
voltadas para a Saúde. Elas ficaram responsáveis
por exercer um papel que era do Estado e deixaram de exercer
seu papel. Não tinham mais como analisar se os recursos
públicos estavam sendo bem investidos, em função
da dedicação que tiveram que dar ao atendimento
diário da população", diz.
Parceria que deu certo
Por outro lado, um exemplo bem-sucedido de parceria
entre ONGs e Estado é o da AIDS. "Nesse caso,
o papel das organizações na execução
das políticas públicas é super importante
porque o trabalho de conscientização da população
é complexo e, se a organização fizer,
é muito mais efetivo", afirma. A diferença
em relação à saúde indígena
é que o atendimento não ficou apenas por conta
das ONGs, mas sim a cargo do Estado. Conseqüentemente,
as ONGs continuaram cumprindo seu papel. "Se o Estado
resolvesse parar de distribuir os medicamentos, certamente
as ONGs se juntariam e pressionariam [o Estado]".
Na avaliação de Alexandre, a relação
Estado e ONGs pode ser muito proveitosa. O importante é
ter cuidado para que a organização não
se desvie de seu papel social e de sua missão. Isso
sem falar nas organizações "voltadas para
o mercado", que funcionam como consultorias ou empresas
que executam serviços sociais conforme a demanda, e
estão preocupadas apenas em buscar recursos para realizar
seus projetos, sem promover uma contestação
da política e de outras questões públicas".
LAURA GIANNECCHINI
do site setor3
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