HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

conquista
17/08/2004
Adolescentes de periferia seguem carreira no exterior

Viajar é sempre sinônimo de crescimento. Especialmente para um jovem que conhece um país estrangeiro pela primeira vez. E isso vem acontecendo, cada vez com mais frequência, com diversos moradores de favelas cariocas. Eles conquistam a chance de sair do Brasil com um passaporte muito especial: seu próprio talento.

A oportunidade surge a partir de convites para participarem de congressos, bolsas de estudos e até alternativas profissionais no exterior. Na volta, eles descobrem que as viagens mundo afora aprofundam sua visão do próprio país, do seu estado, da sua cidade mas, acima de tudo, de sua própria comunidade. Ao invés de ‘olhar para dentro para ser universal’, eles vão para o mundo para conhecerem o próprio umbigo.

A bailarina Bárbara Melo, 18 anos, integrante há sete anos do projeto Dançando pra não dançar - que atua em dez favelas cariocas -, teve uma chance de causar inveja a muito artista. Ela foi convidada para atuar na Staatlichen Ballett Schule Berlin, por conta de sua participação no projeto brasileiro, que promove aulas de balé clássico para crianças e adolescentes em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro. Está sendo uma experiência inesquecível, diz Bárbara. Mas também repleta de dificuldades.

Choque inicial
A realidade, adverte ela, nem sempre corresponde às expectativas. “Profissionalmente é maravilhoso, mas pessoalmente foi muito difícil no começo. Achei tudo muito estranho. Estranhei o frio, a comida, o lugar, a língua, estranhei tudo. Queria voltar no primeiro dia. Falei: ‘Não, não é isso o que eu quero. Quero meu pagode, meus amigos, minha praia de volta’. Mas depois a gente vai se acostumando.”

A bailarina conta que sua maior dificuldade foi aprender o idioma. “Eu dizia que nunca ia conseguir enrolar minha língua daquele jeito. Mas era praticamente matar pra comer. Era todo mundo falando alemão o tempo todo, então eu tinha que aprender. E na escola era História da Alemanha, geografia européia... hoje, eu já sonho em alemão.”


Durante esses quatro anos de Alemanha, ela começou a se dar conta de sua realidade anterior e da que tem hoje, especialmente quando visitava o Brasil de férias. Hoje, ela se diz plenamente adaptada a Berlim e ao seu estilo de vida, com amigos, namorado e “dinheirinho no bolso”. Uma verba que permite um padrão de vida bem razoável. Thereza Aguilar, coordenadora do Dançando pra não dançar, revela que as meninas recebem uma bolsa mensal em torno de 640 euros, que deve cobrir os custos de alimentação, hospedagem e plano de saúde.

Apesar da adaptação, a bailarina mostra-se dividida. “Passei minha adolescência inteira lá, mas não quero perder nunca o vínculo com as pessoas daqui, com esse lugar”, diz, referindo-se à comunidade do Cantagalo, na zona sul do Rio, onde nasceu e cresceu.

Os jovens sabem que estão dando um passo muito grande em suas vidas pessoais e profissionais. E experimentam sentimentos contraditórios, que misturam euforia, ansiedade, alegria. E, claro, também o medo. No caso de Tiago Nunes Costa, de 16 anos, que deverá embarcar ainda esta semana para Israel, a apreensão começa ao entrar no avião - ele detesta a simples idéia de voar.

A ansiedade não pára por aí. Tiago está apreensivo quanto ao seu futuro. Participante do projeto Gin Esporte e Cidadania, que oferece aulas de futebol a crianças e jovens de baixa renda do Rio, Tiago foi convidado, junto com Thiago Fioravanti, 17, e Alexandre de Almeida, 16, para fazer um teste em um time israelense. Caso sejam aprovados, deverão ficar em Israel por um ano.

Medo do inesperado
O meio-campo Tiago, que mora em Vila Tiradentes, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, teme ser reprovado. “A gente fica sem saber o que pensar, não é? E se a gente não passa e fica lá passando fome, com frio, sem ter onde dormir. A gente não sabe como falar lá, como é que vamos fazer para falar com nossos parentes?”.

Parece absurdo, mas o temor tem lá sua razão de ser. Segundo o coordenador do projeto, Giovanni Nogueira, 34 anos, já houve um caso semelhante há dois anos, com dois atletas que foram convidados para treinar na Holanda. “Infelizmente, tive que impedir a viagem. Eles colocaram no contrato, em letras bem pequenas, que se os garotos não fossem aprovados eles não pagariam a passagem de volta.”

Nogueira acredita que isso não se repetirá. E lembra que a decisão final é sempre dos pais dos meninos - que também colocam grande expectativa nos filhos, esperando que consigam uma boa remuneração.

Já o cabeça-de-área Alexandre Almeida e o goleiro Thiago Fioravanti demonstram mais esperanças em relação à viagem. Morador de Quintino, na zona norte da cidade, Fioravanti não parece se abalar nem mesmo com a política conturbada da região, que é alvo de constantes atentados. “Guerra tem em todo lugar. Aqui mesmo a gente vive em guerra civil, nos morros, com o tráfico. Eu não vou deixar de ir por causa disso.”

Remuneração é decisiva
Torcedor do Fluminense e admirador do goleiro Marcos, do Palmeiras, Fioravanti diz que o maior problema será a saudade da família. “Acho que isso vai ser complicado, mas enquanto eu puder ajudar eles, eu vou ficando.” Morador do Morro da Formiga, na Tijuca, Alexandre de Almeida também ressalta a questão da remuneração como uma das razões para aceitar a viagem. “Mesmo não sendo muito, já vai dar pra ajudar minha família.”

Cada adolescente receberá em euros o correspondente a dois salários mínimos brasileiros. Hospedagem e alimentação serão de responsabilidade do próprio clube onde ficarem.

Viagem bem menos tensa foi a de Rafael Lima de Jesus, 16 anos, morador da favela Parque União, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. Durante uma semana, em abril, ele esteve em Genebra, na Suíça. Conta, com orgulho, que foi um dos dois jovens escolhidos em toda a América Latina (o outro é da Venezuela) para participar do Painel Consultivo Brasileiro na Convenção dos Direitos para Crianças e Adolescentes da ONU, em Genebra, na Suíça.

Estudante do Colégio Estadual Ruy Barbosa, Rafael acredita que a estadia serviu, entre outras coisas, para ressaltar sua noção de cidadania. “Fiquei impressionado como as pessoas não jogam nada no chão. Elas consideram que tudo o que é público é delas. A gente aqui não tem muito isso, mas depois que eu voltei nunca mais sujei as ruas.”


Noção de cidadania
O adolescente conta que, na Suiça, se comunicou muito bem com seu amigo venezuelano. “A gente sempre tinha uma intérprete por perto, mas quando ela não estava, a gente se entendia. Como o espanhol é uma espécie de português simplificado, foi fácil”, esnoba.

A viagem também teve sua contrapartida social. “Acho que passei para eles a minha realidade daqui, dos problemas das pessoas da minha idade, da violência. E o participante da Venezuela também acho que conseguiu isso. Só eles terem noção das nossas dificuldades já é importante.”

Integrantes do mesmo projeto de Bárbara, as bailarinas Márcia Freire, 19, e Maria Aline, 16, embarcam no dia 28 de agosto para Cuba. Foram convidadas para passar um período no Balé Nacional de Cuba. Márcia, na verdade, volta a Cuba após um tempo de férias no Brasil, onde aproveitou para cursar o primeiro período da faculdade de dança e rever os parentes no Complexo do Pavão, Pavãozinho, em Copacabana.

Depois de sete meses na escola cubana, ela lembra que ouviu muitas histórias quando falou que iria para a ilha mais famosa das Américas. “Falaram de tudo: que eu iria ficar presa lá, que iria passar fome, um monte de coisas. Mas resolvi me concentrar no balé, que era o que eu queria para minha vida e pronto. Não pensei em mais nada”, diz.

Márcia conta que, ao chegar, se surpreendeu com a Cuba policiada, sem mendigos e analfabetos. “Era tudo totalmente diferente do que me falaram, até o trânsito é mais organizado do que aqui. Mas é outra cultura, outra língua. Mesmo o espanhol sendo um pouco parecido, eles têm um jeito de falar mais rapidinho, gingado”.


As informações são do site Viva Favela.

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
17/08/2004 Jovens contam como deixaram o mundo do crime
17/08/2004
Clássicos infantis ajudam a divulgar Metas
16/08/2004
Projeto oferece formação profissional para jovens e adultos
16/08/2004
Empresa investe na politização da comunidade
16/08/2004 Amigos criam ONG que patrocina estudo a jovens de baixa renda
16/08/2004
Fotografia abre porta de moradores de favela para o mercado de trabalho
13/08/2004 Caixa d'água da Praça dos Cadetes vai virar biblioteca
13/08/2004
Comunidades carentes de Pernambuco aprendem a aproveitar alimentos
12/08/2004 Cães auxiliam vítimas de maus-tratos
12/08/2004
Jovens utilizam muros para fazer campanha sobre sexo seguro