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esperança
16/08/2004
Fotografia abre porta de moradores de favela para o mercado de trabalho

Em breve, Sadraque Santos de Souza, 39 anos, será o mais novo fotógrafo do mercado. Ele ainda está em formação - é aluno do projeto Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo, no Complexo da Maré (Zona Norte do Rio). Mas suas fotos logo estarão disponíveis para venda na web, já que a escola, mais do que formar jovens na área de fotografia, quer abrir um novo campo de trabalho para rapazes e moças de favelas. O primeiro passo para isso será inserir a produção fotográfica dos alunos num banco de imagens que atenderá a clientes no mundo inteiro.

Morador da Grota, no Complexo do Alemão (Zona Norte), Sadraque aproveita a boa relação com a vizinhança para registrar a comunidade em ângulos privilegiados, que dificilmente um fotógrafo do asfalto conseguiria. “Tenho amigos de infância que viraram pastores evangélicos e outros que são gerentes de boca de fumo. Opções não faltam”, diz o fotógrafo, para exemplificar a vasta gama de personagens aos quais têm acesso.

A Escola de fotógrafos Populares teve início em junho, na Casa de Cultura da Maré e conta com 22 alunos de comunidades de baixa renda. O projeto é uma criação da ONG Observatório de Favelas e dos fotógrafos João Roberto Ripper e Ricardo Funari. Os alunos vêm de diferentes localidades do Rio, como Parque União, Baixa do Sapateiro, Nova Holanda, Morro do Timbau (todas na Maré), Nelson Mandela (Complexo de Manguinhos), Rocinha (Zona Sul) e Fazendinha (Complexo do Alemão), entre outras comunidades.

O patrocínio de Furnas, que entrou com R$ 44 mil, vai custear apenas quatro meses de curso, já que equipamentos são caros. Mas a verba permitiu alavancar o início do projeto. Com ela, os professores compraram um datashow, um computador e câmeras digitais.

Olhar crítico
As aulas acontecem diariamente das 8h às 12h. De segunda a quinta-feira os alunos estudam fotografia e, às sextas, inglês. “Todas os programas de computador da área são em inglês. Eles precisam aprender o básico para entender um pouco”, fala Ripper.

As aulas foram divididas em duas etapas. Nos primeiros dois meses, os alunos aprenderam o domínio da técnica e da linguagem fotográfica e receberam noções de direito da imagem. Também viram projeções temáticas, aprenderam sobre luz, fotojornalismo e estudaram autores que trabalham com temas sociais, como Sebastião Salgado. “Nosso objetivo é fazer com que eles busquem seu próprio olhar, sem a crítica da sociedade”, conta Ripper.

A corretora de imóveis Diana Araújo, de 27 anos, moradora da Maré, já sente uma melhora grande na qualidade de suas fotos. Ela, que sempre foi responsável pelos registros das festas de família, garante estar mais crítica com o olhar fotográfico. “Antes pedia para as pessoas posarem para as fotos, agora aprendi a compô-las. A registrar o momento de forma espontânea”, garante.

Mas a técnica não é prioridade. O curso pretende trabalhar com quase tudo que gira em torno da fotografia. Neste mês de agosto a turma foi dividida em duas. Metade está indo para a rua fotografar e a outra fica na sala aprendendo a indexar, digitalizar e tratar as fotos no computador. “Não queremos apenas ensinar pessoas de comunidades de baixa renda a fotografar. Queremos prepará-los e ingressá-los no mercado de trabalho”, diz Ripper.

Outro importante diferencial é a formação de um banco virtual de imagens - o Imagens do Povo, para a comercialização das fotos dos alunos dentro e fora do Brasil. Nele as pessoas podem procurar os trabalhos pelo nome dos fotógrafos ou por temas como religiosidade, nações indígenas, esporte, cotidiano, trabalho e problemas sociais, sempre ligados à favela. Cada fotografo ficará com 50% do preço pago pelo comprador.

Estímulo para viver
Durante as aulas o clima é descontração total. As piadas surgem a todo instante e a principal ‘autora’ das gracinhas é Juçara Noé de Lima. Sempre com uma piada na ponta da língua ela não perde uma oportunidade. Tanta felicidade não é à toa. Para muitos o curso de fotografia é a esperança de um novo campo de trabalho, mas para ela as aulas se tornaram um grande estímulo. Tanto que sai diariamente da sua casa na comunidade Vila Juaniza, no Morro do Barbante, Ilha do Governador, para o Complexo da Maré.

A vida nunca deu trégua à cabeleireira. Casou-se aos 13 anos e dez anos depois já era viúva. O trabalho a ajudou a criar seus dois filhos com dignidade, mas as dificuldades não pararam por aí. Alguns anos depois sua mãe teve um derrame, o irmão e a cunhada morreram de Aids.
Quando achava que seus problemas tinham acabado, novo baque. Seu filho, de 22 anos, foi morto por envolvimento com o tráfico, há 3 anos. “Ele tinha tudo. Trabalhava em uma companhia de aviação e ganhava quase R$ 900. Largou para trabalhar no tráfico. Menos de um ano depois ele estava morto”, conta Juçara.

O filho, além de cinco mulheres grávidas, deixou muita saudade e a cabeleireira entrou em um forte processo de depressão. O estímulo para viver só voltou depois das aulas de foto, que descobriu através da cunhada, Diana e da filha Natália Noé de Lima, suas colegas de sala. “Isto aqui hoje é minha grande paixão. Me deu estímulo para viver”, diz.

Cada aluno escolheu um tema que lhe interessava fotografar. Juçara optou por Mulheres no trabalho, para mostrar a luta feminina para conciliar família e sustento do lar. Sadraque, simpatizante do Budismo, optou por religiosidade. Vai clicar centros de candomblé, testemunhas de Jeová e até Johrei. Diana usou a sua experiência como corretora de imóvel e está fotografando a arquitetura da favela. “Meu trabalho me ajudou a observar as construções. Estou adorando usar minha experiência profissional nas fotos”, diz Diana. Sem dúvida o Imagens do Povo tem tudo para ser um banco com imenso capital humano.



CARLOS COLLIER
do site Viva Favela

 
 
 

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