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Foi um domingo como tantos outros
em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade,
incrustada entre condomínios de luxo e mansões
do Morumbi, na zona sul. O campeonato anual de várzea,
o 19.º realizado na comunidade, teve mais uma rodada
disputada. As crianças e jovens, que procuram onde
dá um canto para brincar, continuaram sua busca. Os
bailes de forró estavam todos confirmados. A resistência
dos moradores às ameaças da semana passada se
mostra também na manutenção da rotina
e na alegria de tocar a vida do jeito que dá.
Os garotos brincando na pequena quadra
da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Paulo Freire,
uma das escolas de latinha ainda presentes na cidade, são
o maior exemplo disso. Acostumados a certas conquistas da
Paraisópolis, como o atendimento hospitalar, e conscientes
de que ainda há muito a fazer, nenhum deles reclama
da falta de praças ou áreas de lazer maiores
dentro do complexo de casas de alvenaria, uma das áreas
mais adensadas da cidade.
Para eles, o espaço ali é
suficiente para brincar de “olezinho”: um fica
com a bola e vai driblando os demais. “O que falta aqui
é piscina. Para brincar de pega-pega, a gente vai lá
na escola (a Homero Santos, do governo estadual)”, contou
Adriano, um dos cinco garotos que estavam ontem à tarde
na Paulo Freire.
Várzea
Aos domingos, o campo do Palmeirinha, o primeiro
time de várzea da Paraisópolis, é reservado
para o campeonato dos adultos. “O dia das crianças
é o sábado, das 9 da manhã à 1
da tarde”, explicou Chiquinho do Palmeirinha, o “dono”
do time e responsável pelo torneio. Por isso, os garotos
da comunidade procuram as quadras das escolas que abrem nos
fins de semana, ou ficam à beira do campo, esperando
o intervalo entre os jogos para “bater uma bolinha”.
Na rodada de ontem, a única
anormalidade foi a vitória por W.O. de um dos times.
O adversário não foi ao campo. De resto, tudo
como ocorre em todos os outros domingos, há quase duas
décadas: os veteranos fizeram a partida inicial, às
8h30, e depois metade dos 24 times que disputam o campeonato
começou a entrar em campo. “Começa de
manhã e vai até umas 5 da tarde”, disse
Chiquinho.
“Aqui é o nosso lazer,
a nossa diversão. Mais do que isso: é onde a
comunidade se une, onde as pessoas se aproximam”, definiu
o auxiliar de almoxarifado Antonio Geraldo dos Santos, outro
veterano do time e da Paraisópolis. Ele mora lá
há 32 anos, pouco mais do que o amigo Odair Venâncio,
que está há três décadas. Na hora
de dizer se gostam ou não de viver na comunidade, nenhum
deles titubeia. Respondem quase juntos. “Nasci aqui,
uai”, disse Venancio. “Tenho o maior orgulho de
viver aqui”, completou Santos.
“Clima”
A dona de casa Angela Gonçalves dos Santos também
é feliz com a casa que ela e o marido ergueram aos
poucos, em 20 anos de Paraisópolis. Mas ela ficou meio
“ressabiada” – “o clima não
tá muito bom esses dias” – com as histórias
da semana anterior, principalmente depois da chacina de segunda-feira
passada.
“Às vezes, saio para
passear, mas é pouco. Meu caminho mesmo é de
casa para a igreja e da igreja para casa”, explicou.
“À noite fico sossegada no meu canto, em casa.
Mas aqui é um lugar bom, sim.”
Um dos motivos para os moradores gostarem
tanto da Paraisópolis e lutarem para que a comunidade
não perca o que conquistou são os trabalhos
sociais. No fim de semana, o Programa Einstein na Comunidade
Paraisópolis distribuiu senhas para as famílias
das 10 mil crianças matriculadas no ambulatório.
Em dezembro, elas vão ganhar uma cesta de natal com
presentes para os pequenos e alimentos. “O pessoal trabalha
muito durante a semana, por isso fazemos esses eventos e campanhas
aos sábados e domingos”, salientou o administrador
do ambulatório, Marcelo dos Santos.
Para muita gente, o domingo também
é dia de trabalho. Várias lojas e pequenos comércios
da Paraisópolis seguem abertos durante a tarde. O Salão
Transformação tem fila na porta. “Se a
gente não pára, fica até as 8 da noite”,
disse o cabeleireiro Fabio Soares dos Santos.
Na cadeira, o cliente João
Ferreira deixava o cabelo ajeitado para o “forrozinho”.
“É a diversão do fim de semana.”
Os bailes, que no domingo começam cedo, mas correm
noite afora, são mais um sinal de que Paraisópolis
não vai deixar de ser uma comunidade única na
cidade tão facilmente.
IURI PITTA
Do jornal O Estado de São Paulo
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