Erika Vieira
Essa semana comunidades paulistas
e cariocas tomaram conta do XVI Festival Internacional de
Curtas - Metragens de São Paulo, realizado no Museu
de Imagem e Som. O evento abriu espaço para a apresentação
de grupos que produzem vídeos independentes dentro
de comunidades carentes.
Os grupos participaram do 2º
Fórum de Projetos da Formação do Olhar,
tendo como tema “Segundo Passo: uma orientação
para os Núcleos de Produção e Exibição
nas Comunidades”. O evento foi composto por nove equipes
formadas basicamente por jovens de baixa renda que se dedicam
a produzir cinema, conciliando a atividade com o estudo e
outro tipo de trabalho, afinal para muitos o empreendimento
audiovisual ainda não trás retorno financeiro
suficiente para se manterem.
O Fórum foi aberto pelo pessoal
do Boca de Filme, fundado na Cidade de Deus no Rio
de Janeiro. Os representantes Leandro Monteiro e Manaíra
Carneiro contaram que tudo teve inicio com o filme “Cidade
de Deus” que mobilizou muitos moradores da favela durante
as gravações, a partir daí o grupo foi
formado e hoje produz curtas-metragens, videoclipes e eventos.
“No começo não queríamos ganhar
dinheiro com isso, queríamos era mostrar para nossa
comunidade que sabíamos fazer alguma coisa”,
diz Leandro.
O último curta do Boca
é o “Mulher de Amigo” que faz parte
do projeto “Cotidiano de Favela”, idealizado para
ser um seriado de TV. Eles trabalham para retratar a realidade
da favela, pois sentem que não há uma identidade
da classe baixa na mídia. “Acredito no audiovisual
como instrumento de uma sociedade melhor. Só por esse
meio vamos conseguir falar uma linguagem que todos entendam.
Pode ser uma utopia, mas só a arte muda, só
a arte transforma”, fala Manaíra.
Os cariocas continuaram com o Nós
do Cinema também composto por participantes do
filme "Cidade de Deus" e da minissérie "Cidade
dos Homens", exibida pela Rede Globo. O projeto utiliza
o cinema como pano de fundo para desenvolver uma postura crítica
no jovem a respeito do mundo em que vive. “Somos tão
massificados pelos meios de comunicação que
é fácil nos sentirmos vitimas da situação.
É difícil mudar um discurso que vem sendo construído
há 500 anos, mas tentamos”, declara Júlio
César Siqueira, membro da ONG.
O Nós do Cinema tem
uma estrutura de escola e atende 30 alunos, além de
promover atividades externas para cerca de 190 pessoas. Eles
ensinam língua Portuguesa, Inglês, Fotografia
e Linguagem Cinematográfica, além de fornecer
vale transporte e alimentação. As produções
são feitas para atingir as comunidades. Através
do cinema constroem novas imagens para tentar desconstruir
os conceitos já concretizados pela grande mídia,
fala emocionada uma das integrantes do grupo.
Dentro do núcleo não
existe nenhum tipo de discriminação, por isso
optaram por montarem a sede em um bairro “neutro”
em que não houvesse disputa entre moradores de favelas
rivais, para que dessa forma todos pudessem participar. Eles
trabalham em curtas-metragens, vídeos, clipes musicais
e comerciais.
Já Sampa foi representada pelo
Filmagens Periféricas, da Cidade Tiradentes.
“O cinema é uma coisa elitizada, mas tem que
acreditar para mudar”, fala o integrante Negro JC. O
grupo produziu o vídeo “Raça”, entre
suas iniciativas destaca-se o Projeto Cinema de Periferia
- no qual distribui seus vídeos nas locadoras da região
- a cobertura do Prêmio Ethos, e está em andamento
com filmagens de um dos eventos do Fome Zero.
Joinha Filmes é um
núcleo criado em 2003 por quatro jovens de baixa renda
que estavam cansados de ligar a televisão e assistirem
um mundo que não condisseste com a realidade deles.
Por isso, o Joinha começou a produzir curtas e a oferecer
oficinas de vídeo nas periferias da cidade, tudo feito
com o apoio da Ação Educativa, instituição
que promove projetos educacionais a fim de alcançar
justiça social e desenvolvimento sustentável.
Foi da Ação Educativa
que também surgiu o VCT (Vídeo, Cultura
e Trabalho) composto por 40 jovens de diversas regiões
do centro metropolitano de São Paulo. “Discutimos
para não fazer um vídeo à toa, discutimos
para produzir algo que tenha um embasamento na sociedade”,
explica o integrante Wilq Vicente. Já ministraram oficina
de vídeo no Fórum Mundial Social, em Porto Alegre
e continuam a fazer isso por toda cidade de São Paulo,
como é o caso da realizada em Carapicuíba, lugar
escolhido pela carência de investimento nesta área.
Na Zona Sul de São Paulo a
comunidade está sendo educada audiovisualmente pelo
MUCCA (Mudança com Conhecimento, Cinema e
Arte) e pelo Nerama. A visão dos dois grupos
se distingue no foco da educação. O MUCCA
busca levar através da arte cinematográfica
a mudança da comunidade e da sociedade, utilizando
os filmes para promoverem debates. O grupo apresenta as projeções
dentro das favelas do Jardim Jangadeiro e Jardim Fim de Semana.
Enquanto que o Nerama, composto por três pessoas,
utiliza a arte para expressar as angustias do ser humano.
“Escolhido bem o filme, isso basta não precisa
de debate”, defende Luciano Oliveira, do grupo Nerama.
Eles promovem o projeto Cine Escola desde 2001, instalado
em cinco escolas públicas do Jardim São Luiz,
cada colégio produzirá dois curtas-metragens
que será exibido em praça pública. Apesar
das diferenças, ambas tem o mesmo objetivo: democratizar
a comunicação.
O Bairro do Bom Retiro conta com a
ONG Instituto Criar, formado por estudantes que participaram
do Fórum Social Mundial junto com o VCT. Trabalham
com a exibição de vídeos dentro da periferia
e pensam em produzirem um curta junto com os catadores de
lixo. Do outro lado de São Paulo, na Cohab da Parada
de Taipas a disseminação do cinema é
feita pelo Arroz, Feijão, Cinema e Vídeo.
“O projeto existe porque o local não tem nada
só as bocas de fumo”, diz a integrante Vanice
Deise. O núcleo pretende dar oficinas de vídeo
e fanzines, eles contam com a participação de
uma historiadora, o que contribui para ampliar a visão
de mundo da equipe. “Com isso, queremos aumentar a autovalorização
e liberdade criativa da região”, complementa
Eder Augusto.
Iniciativas como essas estilhaçam
a comunicação de mão única ainda
predominante no Brasil, é o que concluem os cineastas,
antropólogos e outros profissionais do cinema presentes
no festival. Para eles cabe ao jovem abrir caminhos a fim
de se comunicar com todos os âmbitos da cidade.
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