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A platéia não é
das mais disciplinadas; entra e sai no meio do espetáculo.
O celular toca, a turma do fundão grita, os namorados
ali no canto conversam. Uma cena de seminudez provoca histeria
nada usual. A sala de aula se transporta para o teatro, assim
como o teatro se transporta para a sala de aula. O projeto
Teatro nas Universidades começou no mês passado
a percorrer as instituições de ensino superior
da capital e Grande São Paulo com uma peça escrita
durante a ditadura militar. Serão 80 apresentações
em oito meses e cerca de 40 mil estudantes na platéia.
"Se a gente conseguir conquistar dez em cada cem jovens,
já fico satisfeita", diz a atriz Nicete Bruno,
idealizadora do projeto.
O tema central da montagem Liberdade, Liberdade, de Millôr
Fernandes e Flávio Rangel, é obviamente a liberdade
- ou a falta dela - durante a história da humanidade.
Sócrates, Revolução Francesa, Guerra
Civil Espanhola, Hitler e 11 de Setembro aparecem no roteiro.
"Liberdade é poder ir embora se quiser",
diz, no fim da peça, no microfone, o ator Tadeu Di
Pyetro, um dos responsáveis pelo projeto. É
dia de futebol na TV e muitos alunos da Universidade Paulista
(Unip) se apressam para sair do teatro quando descem as cortinas.
Pyetro inicia um debate - que se repete
ao fim de cada encenação com as presenças
de um professor da faculdade e de um profissional de teatro
- para discutir a peça a que acabaram de assistir.
Alguns dão um passo para trás, sentam-se de
novo. "Eu queria saber como era não ter liberdade
para fazer nada na época da ditadura", diz um
estudante lá da frente.
No meio da discussão, Pyetro
questiona: quem aqui nunca foi ao teatro? Meia dúzia
em 500 se arriscam a levantar a mão. Pesquisas que
ajudaram a alavancar o projeto, no entanto, mostram que 62%
dos jovens nunca foram. É a velha história da
montanha que vai a Maomé.
Fabio Ferreira de Jesus, de 25 anos,
aluno do primeiro ano de Publicidade, escuta atento. Preenche
o papelzinho dado pelo professor para comentários sobre
a peça. Não respondeu à pergunta de Pyetro,
mas à reportagem diz que era sua primeira vez. "Vim
para conhecer o teatro", diz, tímido. "Percebi
que só se consegue a liberdade por meio de lutas",
analisa. "Tem música, não é aquela
coisa chata, parada", completa o colega Rodolfo Neves,
de 18 anos. Na fila, antes do espetáculo, ele e os
amigos se preocupavam em ganhar os dois pontos prometidos
pela faculdade para quem participasse da chamada atividade
complementar.
"Só queremos seus
alunos"
A negociação com as instituições
começou no início do ano e nem sempre as respostas
à abordagem dos organizadores do projeto foram positivas.
"Eles perguntavam: quanto temos de pagar? O que temos
de fazer? ", conta Pyetro. "Nada, só queremos
seus alunos", era a resposta.
O espetáculo é apresentado
de graça nos teatros - muitas vezes ociosos - das faculdades,
às 19h30. São quatro atores, entre eles o veterano
Renato Borghi, e um cantor e compositor no elenco. A equipe
toda tem mais de 20 pessoas. Segundo eles, em 90% das instituições,
as instalações são precárias e
precisam ser adaptadas para receber o projeto.
Juntar teatro e educação
é um sonho antigo do casal Paulo Goulart e Nicete Bruno.
Faltava quem bancasse. Em um dos eventos em comemoração
aos 450 anos de São Paulo, em 2004, o ator lançou
a idéia e a platéia de reitores e empresários
aplaudiu.
"Isso sim é investir em
educação", saiu repetindo, em busca de
patrocínio, o presidente da Associação
Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, antigo
conhecido do casal. O projeto hoje é financiado pelo
banco Santander Banespa, pela Gerdau e pela Companhia Brasileira
de Alumínio, do Grupo Votorantim. "Ele resgata
o papel do teatro como instigador", diz a superintendente
de Relações Institucionais do Santander, Maria
Beatriz Brandão Aguirre.
"Não vou muito ao teatro
porque é caro", justifica a aluna de Jornalismo
da Universidade São Judas Elisabeth Barbosa. O projeto
já passou, além da São Judas, pela Fundação
Getulio Vargas (FGV), Pontifícia Universidade Católica
(PUC-SP), Belas Artes e Universidade de Mogi das Cruzes (UMC),
onde houve até falsificação de ingresso
para garantir um lugar na platéia. Nicete acha que,
fora a falta de hábito dos universitários, o
problema é que se faz pouco teatro para jovens atualmente,
só há peças infantis ou adultas.
Liberdade, Liberdade foi encenada
pela primeira vez em 1965 para jovens diferentes dos de hoje,
afoitos por arte e cansados de repressão. O texto metaforizava
a ditadura de então. Em tempos de democracia, vê-se
uma peça quase didática, que relata fatos da
história, dá os nomes dos protagonistas, conta
o que aconteceu depois do momento encenado. Os estudantes
saem com a sensação de terem aprendido alguma
coisa, além da diversão e da reflexão.
"A peça explica. Por isso se presta primorosamente
ao projeto nas universidades", diz a diretora da montagem
atual, Cibele Forjaz.
Até o fim de junho, o
teatro vai chegar à Universidade Estadual Paulista
(Unesp) e à Fundação Armando Álvares
Penteado (Faap), entre outras (ver calendário ao lado).
No segundo semestre, uma nova montagem, escrita especialmente
para o projeto pelo dramaturgo José Antônio de
Souza, percorre a cidade. O nome é Sossego e Turbulência
no Coração de Hortência e conta a história
de uma mesma jovem no século 19 e no século
21. A agenda de universidades ainda não está
fechada.
RENATA CAFARDO
do O Estado de S. Paulo
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