Cérebro de crianças pobres tende a ter desempenho pior, diz
estudo
Cérebro
parece ter sofrido danos semelhantes aos causados por derrames
O cérebro de crianças pobres tende a ter um
desempenho pior do que o de crianças ricas e parece
ter sofrido danos, segundo estudo da Universidade da Califórnia
em Berkeley que será publicado na revista especializada
"Journal of Cognitive Neuroscience".
O estudo analisou eletroencefalogramas
de 26 crianças entre nove e dez anos de idade, metade
delas de famílias de baixa renda e a outra metade de
famílias de renda alta, e concluiu que o córtex
pré-frontal - a parte do cérebro que é
crítica para a solução de problemas e
criatividade - de crianças pobres apresenta menor atividade
do que o de crianças ricas, diante dos mesmos estímulos.
"As crianças de nível
socioeconômico mais baixo mostram padrões de
fisiologia cerebral semelhantes aos de alguém que sofreu
danos no lóbulo frontal já quando adulto",
diz Robert Knight, diretor do Instituto de Neurosciência
Helen Wills, da universidade americana.
"Concluímos que as crianças
têm maior propensão a ter uma baixa resposta
se vierem de classes econômicas mais baixas, mas nem
todo mundo que é pobre tem baixa resposta do lóbulo
frontal", ressalta o pesquisador.
Estímulos
As atividades do córtex pré-frontal foram medidas
quando as crianças estavam envolvidas em uma atividade
simples, como assistir a uma sequência de triângulos
projetadas em uma tela.
Elas receberam a instrução
de apertar um botão todas as vezes que um triângulo
distorcido aparecesse.
Os pesquisadores estavam interessados
na primeira resposta do cérebro - no primeiro quinto
de segundo - depois que uma imagem inesperada, como a do Mickey
Mouse, por exemplo, aparecia na tela.
Uma diferença importante foi
notada na resposta do córtex pré-frontal não
apenas quando uma imagem inesperada surgia na tela, mas também
quando as crianças simplesmente assistiam à
sequência de triângulos, esperando que um distorcido
aparecesse.
Segundo um dos autores, a resposta
cerebral das crianças de baixa renda era semelhante
a de alguém que teve parte do lóbulo frontal
destruído por um derrame.
"Ao prestar atenção
aos triângulos, o córtex pré-frontal ajuda
a processar melhor o estímulo visual", diz o pesquisador
Mark Kishiyama. "O córtex pré-frontal está
ainda mais envolvido em detectar novidades, como fotografias
inesperadas."
"Essas crianças não
têm danos neurais, nenhuma exposição a
drogas quando ainda estavam no útero, nenhum dano neurológico",
acrescenta Kishiyama.
"Ainda assim, o córtex
pré-frontal não está funcionando tão
eficientemente como deveria. Essa diferença pode se
manifestar na solução de problemas e no desempenho
escolar."
Relação direta
Estudos anteriores já haviam mostrado uma possível
relação entre as funções do lóbulo
frontal e diferenças de comportamento em crianças
de diferentes classes econômicas.
Mas, segundo Kishiyama, "esses
estudos eram medidas indiretas das funções cerebrais
e não podiam ser 'desligados' dos efeitos da inteligência,
proficiência de linguagem e outros fatores que costumam
estar associados com baixa renda."
"Nosso estudo é o primeiro
a medir diretamente a atividade do cérebro quando ele
não executa nenhuma tarefa complexa", diz o autor
da pesquisa.
Os pesquisadores afirmam, no entanto,
que a baixa atividade não é necessariamente
uma sentença e pode ser revertida com exercícios.
Eles sugerem que apenas conversar mais com as crianças
já pode ter efeito positivo.
Recursos
Co-autor do estudo, W. Thomas Boyce - professor emérito
de saúde pública da Universidade da Califórnia
em Berkeley - diz não estar surpreso com os resultados.
"Já sabemos que crianças
que crescem em ambientes pobres em recursos têm mais
problemas com tipos de controle de comportamento que seriam
parcialmente regulados pelo córtex pré-frontal",
afirma Boyce.
"Mas o fato de que vemos diferenças
funcionais nas respostas do córtex pré-frontal
em crianças de nível socioeconômico mais
baixo é definitivo."
Para Knight, a descoberta é
um chamado. "Não se trata apenas de as crianças
serem pobres e mais propensas a ter problemas de saúde,
mas elas podem não estar desenvolvendo seus cérebros
plenamente por causa de ambientes estressantes e relativamente
empobrecidos associados à baixa renda: menos livros,
menos leitura, menos jogos e menos visitas a museus."