Se Idoya
pudesse falar, ela teria muito de que se gabar.
Na última quinta-feira, a macaca de 5,4 quilogramas
e 81 centímetros de comprimento fez com que um robô
humanóide de 91 quilogramas e 1,5 metro de altura caminhasse
em uma esteira mecânica usando apenas a atividade cerebral
dela. Idoya estava na Carolina do Norte, e o robô no
Japão.
Esta foi a primeira fez em que sinais cerebrais foram utilizados
para fazer um robô andar, diz Miguel A. L. Nicolelis,
um neurocientista da Universidade Duke cujo laboratório
projetou e executou a experiência.
Em 2003, a equipe de Nicolelis provou que os macacos poderiam
usar apenas os seus pensamentos para controlar um braço
robótico a fim de alcançar e segurar objetos.
Nicolelis diz que tais experimentos são os primeiros
passos rumo a uma interface cérebro-computador que
poderia permitir que pessoas paralisadas caminhassem ao comandar
dispositivos com os seus pensamentos. Eletrodos inseridos
no cérebro do indivíduo enviariam sinais para
um dispositivo usado no quadril, como um telefone celular
ou um pager, que transmitiria os sinais para um par de aparelhos,
um tipo de esqueleto externo, usado nas pernas.
"Quando a pessoa pensa em andar, o ato de caminhar ocorre",
afirma Nicolelis.
Richard A. Andersen, especialista em tais sistemas do Instituto
de Tecnologia da Califórnia em Pasadena, e que não
participa da experiência, afirma: "Este foi um
avanço importante no sentido de se obter locomoção
com uma interface cérebro-máquina".
Um outro especialista, Nicho Hatsopoulos, professor da Universidade
de Chicago, diz: "Essa experiência foi um desenvolvimento
empolgante. E o uso de um exoesqueleto poderá ser bem
proveitoso".
Uma interface cérebro-máquina é qualquer
sistema que permite que pessoas e animais usem a sua atividade
cerebral para controlar um dispositivo externo. Mas até
que sejam descobertas maneiras seguras de implantar com segurança
eletrodos em cérebros humanos, a maior parte das pesquisas
continuará centrada em animais.
Durante os preparativos para o experimento, Idoya foi treinada
para caminhar de pé em uma esteira. Ela apoiou-se em
uma barra com as mãos e recebeu petiscos - passas e
Cheerios - à medida que caminhava em velocidades diferentes,
para frente e para trás, 15 minutos por dia, três
dias por semana, durante dois meses.
Enquanto isso, eletrodos implantados na chamada área
da perna no cérebro de Idoya registravam a atividade
de 250 a 300 neurônios que emitiam sinais enquanto ela
caminhava. Alguns neurônios ativaram-se quando as suas
articulações do calcanhar, do joelho e da bacia
moveram-se. Outros responderam quando os pés dela tocaram
o chão. E alguns emitiram sinais em antecipação
aos movimentos da macaca.
Para obter um modelo detalhado dos movimentos de pernas de
Idoya, os pesquisadores também pintaram o calcanhar,
o joelho e a bacia dela com maquiagem fluorescente e, utilizando
uma câmera especial de alta velocidade, registraram
os seus movimentos em vídeo.
O vídeo e a atividade das células cerebrais
foram a seguir combinadas e traduzidas para um formato que
pudesse ser lido por um computador. Esse formato é
capaz de prever com uma precisão de 90% todas as permutações
de movimentos das pernas de Idoya três ou quatro segundos
antes que tais movimentos ocorram.
Na quinta-feira, uma Idoya alerta e pronta para trabalhar
subiu na esteira e começou a caminhar em um ritmo constante
com eletrodos implantados no cérebro. O seu padrão
de caminhada e os seus sinais cerebrais foram coletados, armazenados
em um computador e transmitidos por uma conexão de
Internet de alta velocidade para um robô em Kyoto, no
Japão.
O robô, chamado CB, as iniciais de Computational Brain
(Cérebro Computacional), conta com a mesma mobilidade
que um ser humano. Ele é capaz de dançar, agachar-se,
apontar e "sentir" o chão com sensores implantados
nos pés, e não cai, mesmo quando é empurrado.
Projetado por Gordon Cheng e seus colegas dos Laboratórios
de Neurociência Computacional ATR em Kyoto, o robô
foi escolhido para a experiência devido à sua
capacidade extraordinária de imitar a locomoção
humana.
À medida que os sinais cerebrais de Idoya chegavam
aos ativadores de CB, a missão da macaca era manter
o robô caminhando em um ritmo constante por meio da
atividade cerebral dela. Ela podia ver a parte anterior das
pernas de CB em uma enorme tela em frente à sua esteira,
e recebia petiscos caso fosse capaz de fazer com que as articulações
do robô se movimentassem em sincronia com os movimentos
das suas pernas.
Quando Idoya andava, CB caminhava exatamente no mesmo ritmo.
Registros do cérebro de Idoya revelaram que os seus
neurônios disparavam sinais toda vez que ela e o robô
davam um passo.
"Ele está andando!", disse Nicolelis. "Este
é um pequeno passo para um robô e um passo gigante
para um primata".
Os sinais enviados do cérebro de Idoya para o robô,
e o vídeo do robô enviado de volta a Idoya, foram
transmitidos em menos de um quarto de segundo, diz ele. A
velocidade da transmissão foi tão elevada que
os movimentos do robô sincronizaram-se com a experiência
feita com a macaca.
Após uma hora de experiência, os pesquisadores
submeteram Idoya a um teste inesperado. Eles interromperam
o movimento da esteira. Todos prenderam a respiração,
na expectativa para ver o que Idoya faria.
"Os olhos dela mantiveram-se super concentrados nas
pernas de CB", conta Nicolelis.
Ela recebeu uma dose abundante de petiscos. O robô
continuou andando. E os pesquisadores ficaram eufóricos.
Quando os sinais cerebrais de Idoya fizeram o robô
caminhar, alguns neurônios do cérebro dela controlavam
as suas próprias pernas, enquanto outros controlavam
as do robô. Este último conjunto de neurônios
basicamente sintonizou-se com as pernas do robô após
cerca de uma hora de prática e resposta visual.
Idoya não é capaz de falar, mas os sinais do
seu cérebro revelaram que depois que a esteira parou,
ele pôde manter CB andando durante três minutos,
controlando as pernas do robô, e não as suas
próprias pernas.
Nicolelis explica que a visão é um sinal poderoso
e dominante no cérebro. O córtex motor de Idoya,
onde foram implantados os eletrodos, começaram a absorver
a representação das pernas do robô, como
se estas pertencessem à própria Idoya.
Em experiências anteriores, Nicolelis descobriu que
20% de todas as células em um córtex motor de
macaco só mostraram-se ativas quando um braço
robótico movimentou-se. Ele disse que isso significa
que ferramentas como braços e pernas robóticas
poderiam ser assimiladas por meio de aprendizagem na representação
corporação de um animal.
No futuro próximo, Idoya e outros macacos bípedes
receberão mais feedback de CB na forma de micro-estímulos
para os neurônios que especializam-se na sensação
de tato relacionado às pernas e aos pés. Quando
os pés de CB tocarem o solo, sensores detectarão
a pressão e calcularão o equilíbrio.
Nicolelis diz que quando tal informação for
diretamente transmitida aos cérebros dos macacos, estes
terão a forte impressão de que são capazes
de sentir os pés de CB tocando o chão.
Ao se chegar a tal estágio, irá se pedir aos
macacos que façam CB andar pela sala por meio unicamente
dos pensamentos deles.
"Demonstramos ser possível transmitir sinais
para o outro lado do planeta na mesma escala de tempo em que
funciona um sistema biológico", diz Nicolelis.
"Aqui o alvo foi um robô. Mas poderia ter sido
um guindaste. Ou qualquer ferramenta de qualquer tamanho ou
magnitude. O corpo não conta com um monopólio
quando se trata de concretizar os desejos do cérebro".
Para provar o que diz, Nicolelis e o seu colega, Manoel Jacobsen
Teixeira, um neurocirurgião do Hospital Sírio-Libanês
em São Paulo, Brasil, pretendem demonstrar até
o final do ano que os seres humanos são capazes de
movimentar um exoesqueleto com os seus pensamentos.
Não é incomum que pessoas tenham os braços
deslocados das articulações dos ombros em acidentes
de motocicleta ou automóvel, diz Nicolelis. Em tais
casos, todos os nervos são rompidos, deixando o braço
paralisado, mas com dor crônica.
Teixeira está implantando eletrodos na superfície
dos cérebros desses pacientes e estimulando a região
subjacente na qual o braço é representado. A
dor cessa.
Nicolelis diz que ao se inserir os mesmos eletrodos um pouco
mais profundamente no cérebro, deverá ser possível
registrar a atividade cerebral envolvida na movimentação
e na intenção de mover o braço. Os braços
paralisados dos pacientes serão então colocados
em um exoesqueleto ou invólucro equipado com motores
e sensores que enviam sensações de toque de
volta ao cérebro.
"Eles deverão ser capazes de movimentar os braços
com os seus pensamentos", afirma Nicolelis. "Isto
é a ficção científica tornando-se
realidade".
Sandra Blakeslee
The New York Times
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