Pela primeira vez desde a Constituição de 1988,
uma categoria profissional obteve em convenção
coletiva a redução da jornada de trabalho. Ontem,
representantes da Federação dos Trabalhadores
nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas
do Estado de São Paulo (Fequimfar), da Federação
dos Trabalhadores do Ramo Químico da CUT no Estado
de São Paulo (Fetquim) e do Sindicato da Indústria
de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo
(Sindusfarma) assinaram convenção que estipula,
entre as cláusulas, a redução da jornada
de trabalho para 40 horas semanais a partir de 2009 sem redução
de salário.
Desde que a nova Constituição estabeleceu a
redução da jornada legal de trabalho de 48 para
44 horas semanais, conquistas semelhantes só foram
obtidas em negociações individualizadas entre
empresa e sindicato. A convenção foi aprovada
pelas 300 empresas do setor farmacêutico de São
Paulo. "O assunto já era discutido no setor há
quatro anos e as indústrias, que já adotavam
uma jornada de 42 horas semanais, consideraram que há
condições de absorver essa mudança neste
momento", afirmou Arnaldo Pedace, gerente de relações
sindicais e trabalhistas do Sindusfarma. O ajuste será
feito em duas etapas, com a redução de uma hora
por semana a partir de janeiro de 2009 e nova diminuição
da carga horária em dezembro do mesmo ano. "O
prazo é suficiente para as empresas ajustarem suas
linhas de produção e fazerem contratações",
disse Pedace.
Para o consultor João Guilherme Vargas Neto, a decisão
envolvendo uma classe profissional representa uma "maturação"
das negociações sindicais e abre um precedente
para que a reivindicação da jornada de trabalho,
que faz parte da campanha da Força Sindical e da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), seja estendida para
outros segmentos. "Em 1945, os eletricitários
da Light ganharam um abono de Natal de 8%, que equivaleu à
inflação daquele ano e outras empresas aplicaram
a mesma regra. A iniciativa mais tarde virou lei. Assim se
estabeleceu o 13º salário no Brasil. A convenção
dos químicos pode criar uma tendência no mercado",
diz Vargas.
De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socio-Econômicos (Dieese), desde 1996, houve
28 negociações de sindicatos para flexibilização
da jornada de trabalho, sendo que as empresas normalmente
optaram pela adoção de banco de horas ou a redução
da jornada de 48 para 47 ou 44 horas - mas sempre em acordos
entre empresa e sindicato. "Essa decisão é
resultado da retomada da atividade econômica. As empresas
estão preocupadas em perder funcionários para
as concorrentes", avalia Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico
do Dieese.
Geraldo Melhorine, coordenador político da Fetquim,
observou que a redução da jornada possibilitará
o aumento de contratações no setor químico
e reduzirá o risco de acidentes, tendo em vista que
a maioria ocorre no fim do expediente ou nos fins de semana,
em função do estresse. "Um projeto nacional
de redução da jornada, envolvendo todos os setores,
poderia gerar 2 milhões de empregos no país.
A meta agora é conseguir a aprovação
de um projeto de lei que reduza a carga legal para 40 horas
semanais", disse.
Antes de uma nova legislação, no entanto, CUT
e Força Sindical negociarão com sindicatos de
trabalhadores químicos de outros estados para que a
decisão seja estendida para a categoria em todo o país.
"No momento político em que as centrais estão
numa grande luta pela redução da jornada essa
é uma prova de que não é um ideal impossível",
disse Sergio Luiz Leite, secretário-geral da Fequimfar.
A redução da jornada não foi a única
decisão inédita. Também foi incluída
na convenção da categoria recomendação
para que as empresas reconheçam a união estável
de casais homossexuais. Pedace, do Sindusfarma, disse que
as empresas estenderão para cônjuges de funcionários
homossexuais benefícios como descontos em medicamentos
e nos planos de saúde.
O setor, que reúne 37 mil trabalhadores, obteve ainda
reajuste de 6,5% de salário, com aumento real de 0,95
ponto sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
(INPC) acumulado em 12 meses até março. Na semana
passada, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias
de Alimentação do Estado de São Paulo
também fechou reajuste salarial em 6,5%. O Sindicato
dos Trabalhadores da Construção Civil de São
Paulo (Sintracon-SP) obteve o reajuste mais expressivo, de
8,51%.
Cibelle Bouças
Valor Econômico
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