Aqui,
estudantes de nível médio raramente têm
mais de meia hora de dever de casa. Para os padrões
do mundo desenvolvido, o sistema parece relaxado: os estudantes
não usam uniforme, não há punição
por atrasos nem programas especiais para alunos brilhantes.
Quase não há exames padronizados, poucos pais
arrancam os cabelos pensando na faculdade e as crianças
só começam a ir à escola aos 7 anos.
Ainda assim, de acordo com um ranking internacional, os adolescentes
finlandeses estão entre os mais inteligentes do mundo.
Eles tiraram algumas das melhores notas entre estudantes de
15 anos de idade testados em 57 países. Em vários
países de sistema mais rigoroso, como os Estados Unidos,
as notas foram bem mais baixas, enquanto as médias
dos brasileiros ficaram entre as dez - piores. E olha que
os finlandeses vão à escola de cabelo tingido,
usam vestido de alça no inverno (para parecerem mais
fortes), adoram sarcasmo e curtem rap e heavy metal. Mas no
nono ano escolar estão à frente em Matemática,
Ciências e Leitura - a caminho de se tornarem alguns
dos mais produtivos trabalhadores do mundo.
Os finlandeses atraíram atenção mundial
com seu desempenho em testes trienais patrocinados pela Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico,
um grupo financiado por 30 países que acompanha tendências
sociais e econômicas. Na mais recente rodada de testes,
estudantes da Finlância ficaram em primeiro em Ciências
e segundo em Matemática e Leitura, segundo resultados
divulgados no fim do ano passado.
Computando-se as três notas, a Finlândia fica
em primeiro lugar, embora os resultados não sejam divulgados
dessa maneira, diz Andreas Schleicher, que dirige o Programa
para Avaliação Internacional de Estudantes,
conhecido como Pisa, sua sigla em inglês. O Brasil ficou
em 49o no teste de Leitura, 52o no de Ciências e 54o
no de Matemática. Cerca de 400.000 estudantes foram
testados ao redor do mundo. O teste é feito com questões
de múltipla escolha e redações que avaliam
o pensamento crítico e a aplicação do
conhecimento. Um exemplo de tema: "Discuta o valor artístico
de pixações."
O desempenho escolar dos estudantes finlandeses tem atraído
educadores de mais de 50 países que querem aprender
o segredo do país. O que eles descobriram é
simples, mas não fácil: professores bem treinados
e crianças responsáveis. Logo cedo, as crianças
fazem muitas coisas sem a supervisão de adultos. E
os professores criam lições sob medida para
seus estudantes. "Não temos petróleo ou
outras riquezas. Conhecimento é o que o povo finlandês
tem", diz Hannele Frantsi, uma diretora de escola.
Visitantes e professores em treinamento podem ver como isso
é feito do balcão sobre uma classe na escola
Norssi, em Jyväskylä, um cidade na área central
do país. O que eles vêem é uma abordagem
tranqüila e básica. A escola, que é um
modelo, não tem adendos comuns em outros países
no topo do ranking, como equipes esportivas e bandas.
Basta acompanhar a estudante Fanny Salo, de 15 anos, para
ter uma idéia da simplicidade do currículo.
Fanny é uma garota cheia de energia, que adora historinhas
românticas, o seriado de TV "Desperate Housewives"
e as lojas de roupas que visita com as amigas.
Fanny só tira nota A, e como não há
classes especiais para estudantes de melhor desempenho, escreve
em seu diário enquanto espera que os demais completem
uma determinada tarefa. Ela costuma ajudar colegas que ficam
para trás. "É bom ter tempo para relaxar
um pouco no meio da aula", diz. Educadores finlandeses
acreditam que obtêm melhores resultados quando se concentram
nos estudantes mais fracos do que se ficarem cutucando os
mais dotados para se destacarem dos demais. A idéia
é que estudantes brilhantes podem ajudar os medíocres
sem prejuízo de seu próprio progresso.
No almoço, Fanny e suas colegas saem da escola para
comprar salmiakki, uma alcaçuz salgado. Voltam para
a aula de Física, que começa quando todos se
aquietam. Professores e estudantes referem-se uns aos outros
pelo primeiro nome. É proibido usar celular, iPods
ou chapéus - e essa é praticamente a única
regra da classe.
A Norssi é administrada como um hospital universitário,
com cerca de 800 professores em treinamento a cada ano. Universitários
trabalham com os estudantes enquanto instrutores ficam por
perto, avaliando-os. É preciso mestrado para ser professor
e a profissão é concorrida. Mais de 40 pessoas
podem se candidatar para a mesma vaga. Os salários
estão no nível do Primeiro Mundo, mas em geral
eles têm mais liberdade na Finlândia.
Professores finlandeses escolhem livros e adaptam as lições
para levar os estudantes aos padrões nacionais. "Na
maioria dos países, educação parece uma
fábrica de carros. Na Finlândia, os professores
são empreendedores", diz Schleicher, da Pisa,
que tem sede em Paris e começou a fazer os testes em
2000.
Uma explicação para o sucesso finlandês
é sua paixão por leitura. O governo dá
um pacote para os pais de recém-nascidos que inclui
um livro de figuras. Algumas bibliotecas são anexas
a shopping centers e há sempre uma biblioteca ambulante
em todos os bairros.
A língua local só é falada aqui e até
os livros em inglês mais vendidos são traduzidos
muito depois do lançamento. Muitas crianças
se esforçaram para ler o último Harry Potter
em inglês porque tinham medo de que alguém lhes
contasse o final antes que chegasse a versão em finlandês.
Filmes e programas de TV têm legendas em vez de dublagem.
Uma estudante universitária diz que se tornou uma leitora
veloz na infância quando ficou viciada no seriado "Barrados
no Baile".
Por essas e outras, o sistema finlandês é difícil
de imitar. A população do país, de 5,3
milhões, é bastante homogênea e há
pouca disparidade de educação e renda. O governo
gasta, em média, US$ 7.500 por estudante. Os impostos
são altos, mas o nível de renda permite às
crianças se dedicar aos estudos sem precisar trabalhar.
Faculdades são gratuitas. O padrão de vida é
um dos mais altos do mundo.
Mesmo assim, os finlandeses também temem ficar para
trás na economia global. Eles dependem de empresas
de eletrônicos e telefonia, como a fabricante de celulares
Nokia, e da indústria de celulose e papel para geração
de empregos. Alguns educadores dizem que a Finlândia
precisa acelerar o desenvolvimento de seus melhores estudantes,
como se faz nos EUA, com programas voltados à formação
de líderes.
Contudo, o sistema finlandês tem servido de exemplo
ao redor do mundo. Numa palestra no Peru sobre como adotar
os métodos de ensino finlandeses, o diretor de escola
Tapio Erma contou a história de um estudante de nível
médio que adormeceu na carteira durante uma aula de
matemática avançada. O professor não
o acordou. Embora cochilar na classe não seja aprovado,
Erma diz: "Temos de aceitar o fato de que são
crianças e estão aprendendo a viver."
Ellen Gamermanvia Enriquez, The
Wall Street Journal, de Helsinque, Finlândia
Publicado no Valor Econômico.
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