O
governo federal vai publicar, na quinta-feira, uma nova regulamentação
que promete mexer radicalmente com o setor de call center,
um mercado que hoje emprega mais de 750 mil pessoas no país
e que movimenta mais de R$ 5 bilhões por ano.
Depois de passar por três audiências públicas,
a proposta de regulamentação - divulgada em
fevereiro pelo Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor (DPDC), órgão ligado ao Ministério
da Justiça - chega à versão final recheada
de itens polêmicos que, segundo a Associação
Brasileira de Telesserviços (ABT), "são
impensáveis e praticamente impossíveis de serem
atendidos."
A regulamentação, que agora só depende
da assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
estipula, por exemplo, que o tempo de espera do usuário
não poderá ultrapassar um minuto quando este
entrar em contato com algum Serviço de Atendimento
ao Consumidor (SAC).
As regras obrigam o serviço a oferecer, logo no primeiro
contato, a possibilidade do cliente ser atendido por uma pessoa,
e não por gravações. Outros itens estabelecem
que a ligação deve ser sempre gratuita e o atendimento
tem que funcionar 24 horas, sete dias por semana. O consumidor,
a partir da norma, fica obrigado a passar suas informações
pessoais apenas uma vez, sem ter de repeti-las cada vez que
for transferido.
A cereja do bolo é o prazo para para aplicação
das novas regras. Segundo a proposta do DPDC, todas as empresas
- dos setores de telefonia fixa e móvel, internet,
TV a cabo, bancos, cartões de crédito e aviação
civil - têm 60 dias para se adaptarem ao novo regulamento,
a contar da assinatura do presidente da República.
"Essas mudanças implicam redimensionar completamente
as centrais de atendimento", diz Luis Alcubierre, diretor
de relações institucionais da Atento, empresa
que conta com quase 70 mil funcionários e administra
31 mil posições de atendimento (PAs). "A
conseqüência disso é ter que ir à
compra de equipamentos e sistemas, além da contratação
de pessoas."
À espera de uma decisão oficial, a Atento,
assim como a maioria das empresas do setor, ainda não
fez nenhum movimento. A Telefônica, por meio de sua
assessoria de comunicação, também informou
que aguarda a definição para decidir o que fazer.
Não há um cenário claro sobre o impacto
financeiro que as medidas podem gerar, mas alguns indicadores
mostram que o efeito não será pequeno. Segundo
a empresa V2 Consulting, especializada em serviços
de consultoria em gestão e qualidade, a maior parte
dos SACs costuma trabalhar com a meta de atender 80% de seus
clientes em até 20 segundos. A meta dos "80 por
20", diz Vladimir Valladares, diretor executivo da V2
Consulting, funciona como um padrão no mercado. Pelos
cálculos da consultoria, uma empresa que recebe 2 mil
ligações por dia - e que venha a manter essa
média de atendimento - precisa, hoje, de 29 atendentes.
Mas para responder às novas exigências e atender
100% das ligações em até um minuto, a
mesma empresa precisaria de 45 pessoas. É um crescimento
de 55% em folha de pagamento, sem contar os gastos com equipamentos,
sistemas e mobiliário de uma PA.
Os custos, segundo Valladares, tendem a cair conforme aumenta
o tamanho da empresa, uma vez que estas têm mais flexibilidade
na hora de gerenciar o pessoal. "Uma companhia que hoje
atende 30 mil ligações por dia veria seu quadro
de funcionários saltar de 324 para 354 pessoas, uma
variação de 9%."
Para Cláudio Tartarini, assessor jurídico e
institucional da ABT, um dos pontos mais complexos da regulamentação
é fazer com que as empresas, para cumprir as metas,
tenham que nivelar seus serviços pelos horários
de pico. "Ninguém dimensiona uma operação
pelo topo da demanda", afirma. "E quando a procura
cair, fica todo mundo ocioso? Nós concordamos que é
preciso refinar o SAC, mas há coisas irreais nessa
proposta."
Gil Torquato, diretor corporativo do Universo Online (UOL),
coloca em questão um problema que a companhia viveu
recentemente, quando uma pane nos sistemas da Telefônica
tirou do ar o Speedy, serviço de banda larga da companhia
telefônica. Muitos assinantes do UOL ligaram para a
companhia, achando que o problema estava no serviço
do portal. "Temos um bom nível de serviço,
mas quando aquilo aconteceu, o nosso sistema travou",
diz. "Nem que eu tivesse um batalhão de pessoas
conseguiria atender todo mundo em até um minuto."
Outra queixa do portal - que hoje tem 2,1 mil atendentes,
sendo 200 funcionários internos e os demais terceirizados
com as empresas TMS Callcenter e Teleperformance - diz respeito
à obrigação do atendente ser capaz de
resolver qualquer tipo de problema comunicado pelo consumidor.
"Temos níveis diferentes de especialização
e isso praticamente elimina a perspectiva de plano de carreira",
comenta Torquato.
Preocupada com a repercussão das medidas, a TMS Call
Center tem discutido com seus clientes o que deverá
ser feito. "Já está claro para nós
que o prazo de 60 dias para realizar as mudanças é
muito curto, impossível de ser atendido", diz
Diogo Morales, presidente da TMS, empresa que tem 2,4 mil
funcionários.
Procurado pelo Valor, o Ministério da Justiça
informou que não iria se pronunciar. A proposta, que
está na Casa Civil, ainda pode sofrer algumas alterações.
As empresas que desrespeitarem o regulamento serão
multadas pelos Procons ou pelo DPDC em valores que vão
de R$ 200 a R$ 3 milhões. Os setores que terão
que se adaptar foram escolhidos por serem os recordistas de
reclamações no Procon. Em 2007, o órgão
realizou mais de meio milhão de atendimentos, entre
simples consultas e reclamações fundamentadas.
André Borges
O Valor Econômico
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