Samuel
Pessoa: pesquisador da FGV
Pessoa defende tese de Sérgio Cabral e pesquisas que
ligam mães jovens e famílias desestruturadas
à violência urbana
Professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), o economista Samuel Pessoa concorda
com o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho: a liberação
do aborto pode reduzir, anos mais tarde, a criminalidade.
Em parceria com o economista Gabriel Hartung, Pessoa fez uma
pesquisa com base em dados da Secretaria de Segurança
de São Paulo e concluiu que os filhos de mães
adolescentes ou de famílias desestruturadas têm
maior probabilidade de serem criminosos. O estudo causou discussão
com demógrafos. Mas Pessoa não foge da polêmica
nem teme ficar conhecido como 'economista de direita'. 'Acho
que estou ficando um reacionário incorrigível',
brincou, em entrevista ao Estado:
Na semana passada, o governador Sérgio Cabral
disse que a legalização do aborto poderia reduzir
a violência e chamou de 'fábricas de marginais'
redutos de pobreza. O que o senhor acha disso?
Pesquisas feitas em países tão diferentes
como Estados Unidos e Romênia demonstram com sólida
evidência empírica que a prática do aborto
legal reduz, anos à frente, a criminalidade. Estudos
feitos por mim e por Gabriel Hartung, com dados retirados
dos 536 municípios de São Paulo entre 1999 e
2001, mostram que havia alta correlação entre
crimes contra o patrimônio (furto e roubo) e baixas
taxas de crescimento econômico e altos índices
de desemprego. Verificamos, porém, que, no caso dos
homicídios, a questão econômica não
os explicava. Havia uma discrepância muito grande entre
cidades com perfil econômico parecido. Aí recuamos
20 anos, com dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, feita pelo IBGE), e constatamos que
entre jovens nascidos lá atrás, filhos de mães
adolescentes ou de famílias monoparentais (sem o pai,
sem a mãe ou sem ambos), é muito alta a presença
de criminosos que cometeram homicídios. Nesse sentido,
a pesquisa corrobora o que Steven Levitt (autor do livro 'Freakonomics')
demonstrou em relação ao tema nos EUA. Se a
natalidade fosse menor entre adolescentes e famílias
desestruturadas no Brasil, há 20 anos, hoje provavelmente
teríamos menos crimes.
O Rio tem pouco mais de 1 milhão de favelados.
Estima-se que, desses, 400 mil têm de 15 a 25 anos -
faixa etária que concentra a imensa maioria dos que
cometem crimes e dos que são vítimas deles.
Num cálculo certamente exagerado, digamos que 10% deles
estejam envolvidos com o crime. São 40 mil. Significa
que outros 360 mil não estão na criminalidade.
Ou seja, em condições econômicas e sociais
semelhantes, há mais gente fora do crime do que no
crime. Como sustentar, neste caso, que o aborto seria um método
eficaz?
Essa pergunta é hiperpertinente. É
o ponto dos demógrafos nas críticas que fizeram
à minha pesquisa. Há dois indicadores importantes:
taxa de homicídios por 100 mil habitantes e a porcentagem
de filhos de mães adolescentes e de famílias
desestruturadas. O que se procura mostrar é a correlação
entre esses dois indicadores. O próximo passo será
dizer, então, que essas crianças nascidas nestas
condições vão ser criminosos 20 anos
depois? Não é um passo muito grande supor isso?
Minha resposta é: estou dando um passo grande e temerário
demais e os demógrafos têm todos os motivos para
ficarem incomodados. Mas, admitindo isso, acrescento o dado
de um levantamento que estou fazendo agora. Entre internos
da Febem do Espírito Santo quase 100% são filhos
de famílias monoparentais (desestruturadas). Quando
se compara, com base em dados da PNAD, esses internos com
jovens da mesma faixa de renda, da mesma classe social no
Espírito Santo, que não estão envolvidos
com crimes, o número dos que provêm de famílias
desestruturadas é muitíssimo menor.
De toda a forma, se o aborto tivesse sido legalizado
há 20 anos - para ficar só na hipótese
do Rio -, isso evitaria o nascimento de mais gente que não
é criminosa do que de criminosos. Ou seja, não
se reforça a idéia de um determinismo social
ou estigmatização da pobreza?
Nesta conta hipotética é importante
que se diga que os 40 mil que supostamente estão no
crime vão matar sobretudo alguns dos 360 mil que não
estão no crime e vão se matar entre si. E, numa
escala muito menor, vão matar pessoas de classe média
ou ricas. Entender o fenômeno com base em indicadores
como o que mede os nascidos em famílias desestruturadas
ou são filhos de mães adolescentes é
proteger os pobres, é melhorar as condições
de vida deles. Quem sofre mais com a violência são
moradores de favelas, não nós, do asfalto.
O sr. acredita que mães adolescentes ou famílias
desestruturadas são culpadas pela violência?
Essa é uma das reações dos demógrafos.
É uma interpretação deles. Nosso trabalho
é econométrico. Não apontamos culpados.
Mas acho que, quando Sérgio Cabral diz que a taxa de
fecundidade na favela é cinco vezes maior do que a
registrada na Lagoa Rodrigo de Freitas (zona sul do Rio) e
isso explica por que há mais violência na favela,
acho que está certo. Quero dizer com isso que as escolhas
feitas pelos mais pobres explicam de alguma forma o fenômeno.
Quem é: Samuel Pessoa
Samuel Pessoa: pesquisador da FGV
Professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas
Em parceria com o economista Gabriel Hartung, fez uma pesquisa
com base em dados da Secretaria de Segurança de São
Paulo e da PNAD
O trabalho corroborou conclusões de Steven Levitt,
autor de Freakonomics, sobre a relação entre
crime e aborto legal
Flávio Pinheiro e Clarissa Thomé
O Estado de S.Paulo.
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apóia aborto e diz que favela é "fábrica de marginal"
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