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Morador
do bairro do Limão, Bernnô é dono de uma
oficina de pintura de carros
O curador Cauê Alves compara
Bernnô com Volpi pela "articulação
entre cor e formas geométricas nada rígidas"
José Bernnô sempre se sentiu um estranho no mundo
dos pintores contemporâneos de São Paulo. Primeiro,
porque ele mora do outro lado do rio Tietê, no Limão,
um bairro de classe média baixa na zona norte, enquanto
o mundo da arte gira em torno da classe média alta.
Segundo, porque é dono de uma oficina de pintura de
carros.
Terceiro, porque na sua idade os pintores que conhece já
têm livros publicados enquanto ele inaugura hoje sua
primeira exposição individual numa galeria de
arte. Bernnô tem 59 anos. O pior modo de se aproximar
da obra de Bernnô é pelo viés folclórico
ou fabuloso, do tipo "o pintor de carros que virou pintor
de telas". Seu trabalho não tem nada de ingênuo
ou primitivo. Em texto inédito, o crítico Rodrigo
Naves diz que a compreensão de Bernnô da pintura
contemporânea passa pela mediação de artistas
como Sean Scully, Paulo Pasta, Rodrigo Andrade e Marco Giannotti,
com quem ele estudou. O crítico Cauê Alves, curador
da exposição, compara o trabalho de Bernnô
com o de Alfredo Volpi (1896-1988), o pintor que vivia num
bairro popular, o Cambuci, e criou uma das obras mais poderosas
da pintura brasileira. "Talvez a pintura de Volpi do
início da década de 1960 em diante -pela sabedoria
na construção das telas e articulação
entre cor e formas geométricas nada rígidas-
seja uma aproximação pertinente", escreve
no folder da mostra. Seria equivocado, porém, ignorar
que Bernnô vem do outro lado da marginal. O próprio
artista frisa a ligação de sua obra com o bairro
onde vive. Há uma padaria no bairro do Limão
chamada A Lareira, que Bernnô freqüenta há
décadas. Fica no alto de um morro. "Quem quiser
saber de onde vem minha pintura, é só olhar
aqui de cima do morro: minha pintura vem das casas simples",
afirma.
As cores de Bernnô são um espanto para quem está
acostumado com o mundo asséptico da pintura brasileira
pós-50.
Ele não tem medo de usar vermelho, amarelo, rosa fluorescente
ou três tons de verde numa mesma tela. Há uma
alegria que parecia perdida na arte contemporânea.
"Sabe de onde vem essas cores?", pergunta Bernnô.
"Comecei a estudar pintura e fiquei fascinado com as
cores puras.
Agora estou imitando o Matisse. Ele era um defensor da cor
pura. Daí eu quis saber o que ele chamava de cor pura.
É a cor que sai do tubo de tinta, sem nenhuma mistura",
conta.
O uso abusado das cores não transforma as obras de
Bernnô em paródia da pintura moderna, como ocorre
com certos pintores contemporâneos.
"Não quero chocar", diz, sobre o uso de cores
cítricas ao lado de preto ou vermelho. "O que
me interessa é o bonito."
Numa tela, Bernnô pinta formas abstratas em vermelho,
preto e rosa, "a cor dos puteiros", como diz o colecionador
e galerista Maurício Buck. O pintor diz não
ter medo das chamadas cores decorativas. "Depende de
como você usa essas cores", ensina.
JOSÉ BERNNÔ
Quando: abertura hoje, às 19h; de
seg. a sex., das 11h às 19h; sáb., das 11h às
14h; até 12/9
Onde: Estúdio Buck (r. Lopes Amaral,
123, Vila Olímpia, tel. 0/xx/ 11/3846-4028; livre)
Quanto: entrada franca
Mario Cesar Carvalho
Folha de S.Paulo
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