|
Reportagem
flagrou 30 meninas prostituídas; mais nova tem 9 anos
Um convênio entre a Prefeitura de São Paulo e
a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São
Paulo (Ceagesp), na zona oeste, vai instalar uma base com
agentes para combater a prostituição e o trabalho
infantil dentro e nas imediações do lugar, por
onde circulam cerca de 50 mil pessoas diariamente. O termo
de cooperação será assinado amanhã.
A reportagem esteve na Ceagesp por
uma madrugada, na semana passada, e encontrou, em uma "cidade"
de 760 quilômetros quadrados, entre o forte cheiro de
temperos, frutas, peixes e o colorido das flores, um mundo
silencioso e escuro: o das crianças prostituídas.
São cerca de 30 meninas, segundo as próprias
garotas - a mais nova com 9 anos. Um programa custa, em média,
R$ 30.
O desafio dos agentes de proteção
que trabalharão na base no entreposto será estabelecer
vínculos com essas meninas e resgatá-las da
situação de exploração e violência
em que se encontram. O problema é que essas garotas
não se sentem exploradas ou vítimas de violência.
Elas dizem que estão trabalhando para sobreviver e
muitas têm o aval da família na atividade que
exercem. "Futuro? Nunca penso nisso, não tenho
planos. Quero o meu dinheiro hoje para sustentar a minha filha
e comprar minhas coisas", diz Camila, de 16 anos, mãe
de Gabriela, de 2, que parou de estudar na 5ª série.
Assim como a maioria de suas colegas de trabalho, ela leva
para casa hortifrútis que ficam no chão.
Entrada facilitada
Algumas meninas contam que se prostituíram
como conseqüência do trabalho de "muambar".
Levadas pela mãe ou por vizinhas quando pequenas, elas
ajudam a catar sobras de alimentos do entreposto. "A
gente vinha com a nossa mãe para pegar comida, e aí
os caras falavam que davam R$ 30 para fazer sexo. É
bem mais fácil ganhar dinheiro assim, né?",
diz Paula, de 14 anos, e dois abortos neste ano. Ela se prostitui
na Ceagesp com mais três irmãs, a menor delas
com 9 anos, e tem outros sete irmãos menores.
Segundo as garotas, os clientes não
são apenas os caminhoneiros, mas também permissionários,
funcionários e ajudantes. "Meu primeiro programa
foi com um dono de boxe de 57 anos, que me ofereceu R$ 30.
Na época, tinha 12 anos e vendia balas. Depois, me
dava R$ 50 e até R$ 100 quando viajava com ele. É
o pai da minha filha e engravidou ao mesmo tempo a minha melhor
amiga, que também transava com ele. Nunca assumiu as
crianças", afirma Paula.
A maior parte das meninas mora
em Jandira e em Itapevi, ambas na Grande São Paulo.
Há também garotas das favelas vizinhas à
Ceagesp. Oficialmente, a companhia proíbe a entrada
de menores de idade desacompanhados. Mas, como freqüentam
o entreposto há muitos anos, as garotas são
conhecidas e têm acesso facilitado pelas pessoas que
trabalham no local. Algumas entram como passageiras em caminhões
ou carros. "Só tem uma solução para
começar a mexer nisso: é preciso punir as mães",
diz uma ex-prostituta de 43 anos que fez programas no local
quando adolescente. "Todas elas sabem o que as filhas
fazem e aceitam ser sustentadas por esse dinheiro. Isso não
é vida."
Marici Capitelli
O Estado de S.Paulo
Áudio
dos comentários
| |
|