Há
duas semanas, um protesto-performance realizado no vão
livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) denunciava
a frágil situação da instituição:
"O Masp está no fundo do poço; quem cala
consente", afirmava a faixa estendida por artistas mascarados
que se diziam indignados com a situação em que
chegou o museu. Dívidas trabalhistas de mais de R$
3 milhões, uma programação esvaziada,
inexistência de um projeto cultural até mesmo
de curto prazo, desprestígio entre a classe artística
e arquitetônica... Um panorama bem pouco estimulante
para o museu que abriga um dos maiores e melhores acervos
da América Latina.
Um olhar mais retrospectivo revela que esta não é
a primeira crise de grandes dimensões vivida pela instituição
em seus mais de 50 anos de existência. Mas ela parece
estar atingindo uma fase aguda, com aspectos não apenas
financeiros, mas culturais, que refletem a situação
ambígua da instituição e sua relação
com a sociedade.
Sociedade civil sem fins lucrativos, o museu não recebe
verbas públicas que o ajudem a financiar o custeio
básico de cerca de R$ 300 mil mensais. O prédio
que ocupa é da prefeitura. O acervo, tombado, felizmente
não pode ser vendido. Mesmo assim, a direção
atual ofereceu um quadro, orçado em R$ 4,29 milhões,
como garantia do pagamento de dívida ativa trabalhista
no valor de R$ 3,30 milhões com o INSS - sob alegação
de que o tombamento apenas impede a retirada da obra do País.
O Masp também está em falta com o Ministério
da Cultura por não ter ainda prestado contas sobre
captação de verba de R$ 806.672,77 para financiar
os polêmicos trabalhos de revitalização
do museu. Segundo funcionários do Ministério,
isso impediria novas autorizações de captação.
Os salários também estão sendo pagos
com atraso e o presidente Julio Neves já aventou publicamente
a hipótese de acionar a cláusula pétrea
da fundação do museu, que prevê que, em
caso de dissolução da sociedade mantenedora,
o acervo seria transferido para a Pinacoteca do Estado (na
época o único museu existente em São
Paulo).
Para o custeio básico de operação, o
museu necessita de R$ 300 mil mensais, quantia irrisória
se pensarmos nos milhões gastos em patrocínio
no País, mas cada vez mais difíceis de captar.
Principalmente se levarmos em conta o crescente desprestígio
da instituição, que parece ter deixado para
trás a fase áurea das megaexposições,
que lhe garantiram grande público e visibilidade na
mídia em meados da década de 90. Hoje multiplicaram-se
as instituições capazes de realizar eventos
internacionais de grande porte, normalmente vinculadas a instituições
financeiras de peso.
Em termos de conteúdo, a situação também
é grave, já que não há nenhum
tipo de política curatorial, de projeto de ação
cultural do museu. Afinal, entre suas funções
primordiais estão a preservação e divulgação
do acervo (bem menos visível, mas muito mais importante
do que qualquer megaexposição de Monet, por
exemplo). Há obras precisando de restauro e obras-primas
do acervo vêm sendo emprestadas com freqüência,
como forma de captar recursos extras, o que desfalca a coleção.
É o caso por exemplo de uma série de obras de
Degas, que recentemente passearam pelo México, EUA
e seguem para a Europa (com a anuência, obrigatória,
do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional).
Hoje é público e corrente o descontentamento
da classe artística. "É fundamental rever
o papel dessa instituição, a responsabilidade
tem de ser dividida entre várias instâncias;
repensar a relação entre o público e
o privado", afirma Martin Grossmann, curador e organizador
do Fórum Permanente de Museus.
Um dos problemas do Masp reside exatamente neste ponto: o
museu foi concebido desde o início como uma ação
privada, um pouco nos moldes das instituições
norte-americanas. Mas, nos EUA, ser sócio de um museu
implica em contribuir - também financeiramente - com
ele. Aqui nem o privado nem o público se sentem responsáveis.
"É um museu à deriva", afirma Paulo
Climachauska.
"Para mim é um museu blindado, é uma caixa-forte",
afirma com contundência Maria Bonomi, cuja formação
artística está fortemente vinculada à
história do museu. "É necessário
que ele volte a ser uma referência mais íntima
para nós, que pertença mais à sociedade",
conclui, acrescentando que lamenta que outras instituições
como a Bienal de São Paulo também estejam isoladas
da coletividade e respondam aos interesses de um pequeno grupo
da elite.
Como Climachauska e Bonomi, Nazareth Pacheco também
lamenta a atual situação do Masp. "Hoje
ele é um museu quase morto; que em termos de eventos
e programação está muito aquém
do que se espera de um Masp", diz ela, que também
não poupa críticas à estética
de shopping center que resultou da reforma feita ao prédio,
um marco da arquitetura moderna.
Muitos são os pontos nevrálgicos do Masp. Mas
talvez o mais grave deles seja o seu fechamento sobre si mesmo.
Há uma falta de transparência e de diálogo
com outras instâncias da sociedade brasileira que, aliás,
nunca se envolveu de fato com o museu. Nem a identidade de
todos os sócios que compõem essa sociedade civil
é conhecida do público (o site do museu relaciona
apenas o nome daqueles que têm cargos no conselho administrativo
e fiscal).
MARIA HIRZMAN
da Agência Estado
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