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10/03/2006
Carta da semana
Artigo 3.(a) "
Hoje meus olhos encontraram um documento que tenho há
tempo entre tantos que fazem parte de minhas pesquisas e estudos
sobre a mulher. Um dos documentos mais importantes sobre a luta
das mulheres nas últimas décadas - “Declaration
on the Elimination of Violence against Women” - (Declaração
para a eliminação da violência contra as
mulheres), de 20 de Dezembro de 1993, publicado pelas Nações
Unidas. Peguei as folhas e mecanicamente meus olhos encontraram
o Artigo 3 parágrafo (a) onde se lê: “The
right to life” (direito à vida). Parei, meu coração
apertou e não pude evitar as lágrimas que caíram
pelo meu rosto, um choro tímido, com vergonha de ter
lido aquelas palavras. Senti profunda humilhação.
Depois meu choro tomou proporções maiores e se
transformou em indignação por viver em um planeta
que é selvagem com suas mulheres e meninas. Planeta tão
violento que obriga as Nações Unidas divulgar
um documento com o claro objetivo de salvaguardar a vida das
mulheres. Pensei: como eles
tiveram coragem de escrever e incluir este artigo com este
parágrafo? Será que não se envergonharam,
não ficaram vermelhos de vergonha? Fizeram muitas reuniões
antes de decidirem se este parágrafo merecia ser incluído?
Será que algum componente do grupo que participou da
redação do documento teve uma crise de choro
como a minha? Como se sentiram eles ao se resignarem à
violência que a mulher sofre ao ponto de decidirem que
era primordial incluir este artigo com este parágrafo?
Será que sentiram medo de críticas?
Infelizmente, este documento é
somente a transcrição da realidade dura e cruel
que reina soberana em todos os países deste violento
planeta. As Nações Unidas elaboraram um documento
que demonstra que o homem não respeita o direito à
vida que a mulher também possui. Por isso, pelo artigo
3, parágrafo (a), da “Declaração
da eliminação da violência contra as mulheres”
das Nações Unidas, o dia 8 de Março eu
não festejei. Não foi um dia de festa para mim.
O parágrafo (a) do Artigo 3 ainda não é
cumprido pelos homens e está muito longe de ser uma
realidade. A mulher ainda não tem direito à
vida.
No dia 8 de março eu me visto
de preto, em luto, em solidariedade à todas as meninas
violentadas e mortas. De luto por todas as mulheres assassinadas
por homens que não puderam escutar a palavra não.
Não tenho nada para celebrar enquanto milhões
de meninas todos os anos têm seus clitóris arrancados
em países onde somente os homens têm o direito
ao prazer sexual. Não posso festejar enquanto meninas
são vendidas como mercadoria para deleite de pedófilos.
Não posso fazer um brinde, pois o estupro ainda è
praticado por seres que se dizem “humanos”. Para
mim é um dia de recolhimento em solidariedade a milhões
de mulheres que não existem, que um Deus e um véu
as fizeram desaparecer nos paises Árabes.
Não, não bebo uma taça
de champagne; fecho os olhos, abaixo a cabeça em respeito
à dor de milhões de mulheres mortas, vítimas
da violência masculina, no ano que passou. Faço
um minuto de silêncio em memória de tantas almas,
de tantos sonhos que não se realizaram, de meninas
que não nasceram, de mulheres que apostaram até
o fim na vida, na esperança, no amor, na dignidade
humana, que a violência do macho suplantou. Faço
um minuto de silêncio por mim mesma, mulher, que ainda
não tenho direito à vida”,
Tania Rocha, Lodi (Itália)
- rochatania@libero.it
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