A cantora Anna Maria Kieffer entrou,
por acaso, numa aventura musical -e, a partir dela, redescobriu
a cidade de São Paulo.
Filha de italianos e alemães, Anna investigava as canções
dos imigrantes do final século 19 na cidade. O que
deveria ser uma pesquisa com ares acadêmicos acabou
levando-a a um mundo artístico desconhecido. "Foi
uma enorme surpresa."
Ela queria saber se os descendentes das primeiras levas de
imigrantes ainda preservavam algumas daquelas tradições.
Começou a fazer contatos com as colônias de portugueses,
italianos, húngaros, judeus, russos, armênios,
poloneses e espanhóis. Por três anos, freqüentou
festas, cerimônias religiosas e reuniões sociais.
"Ia a qualquer tipo de evento em que pudesse fazer descobertas
sobre a música deles."
Descobriu, então, que muitos músicos voltavam
às antigas aldeias de seus ancestrais apenas para estudar
as músicas ou conhecer novidades. Podiam assim continuar
ensinando aos mais novos aqui em São Paulo. "Eles
não queriam romper os laços e buscavam se aperfeiçoar."
Além de detectar essa volta aos vilarejos, Anna percebeu
uma miscelânia dos artistas das comunidades. "Vi
japoneses cantando com russos, árabes com judeus e
poloneses." Conheceu um músico de origem iugoslava
ligado ao estudo de músicas clássicas do Japão,
assim como conheceu um japonês que pesquisava a cultura
musical de russos ortodoxos.
Toda essa pesquisa resultou num livro e num CD, este intitulado
"Cancioneiro da Imigração". Esse material,
porém, serve de pretexto para encontros ao vivo. Para
exibir sua pesquisa, Anna tem convidado para os encontros
muitos desses músicos, a que expõe seu trabalho.
Um desses encontros, por exemplo, teve a exibição
de sons de sinos das igrejas de São Paulo e um velho
armênio cantando, sem acompanhamento de instrumento,
uma música de boas-vindas armênia.
Anna ainda não sabe ao certo como acabou se interessando
por essa pesquisa.
Apenas tem suspeitas. Na sua casa, só se falavam o
alemão e o italiano. "Minha opção
foi sempre fazer a pesquisa sobre a cultura brasileira."
Graças aos imigrantes, acabou se envolvendo com o que
havia de estrangeiro na alma do brasileiro que se fez em São
Paulo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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