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Nos primeiros seis meses deste
ano, na cidade de São Paulo, a cada dia, em média,
duas meninas de menos de 14 anos se tornaram mães.
Na faixa dos 15 a 19 anos, a média diária sobe
para 79 casos. Documentos oficiais revelam que a situação
se mantém praticamente inalterada pelo menos desde
2001.
Em apenas seis anos, nascerão pouco menos de 200 mil
crianças filhas de mães adolescentes e quase
sempre pobres. A maioria dessas meninas terá, em média,
três filhos.
Num fenômeno nacional, garotas tornadas mães
tão jovens, ainda quase pré-adolescentes, são
a faceta mais evidente de uma tragédia cujo antídoto,
oferecido na semana passada pelo prefeito do Rio de Janeiro,
Cesar Maia, é a distribuição em massa
de camisinhas -solução bem-intencionada, mas
provavelmente inútil.
Numa perversa assimetria, é visível no mapa
de São Paulo que as mulheres mais ricas e mais velhas
se limitam a ter um filho (isso para não atrapalhar
os estudos e a profissão), enquanto, em bairros da
periferia, de cada 1.000 adolescentes de 15 a 19 anos, cerca
de 70 têm um filho por ano. Para comparar, tome-se uma
região como Pinheiros, utilizando como referência
a mesma idade de adolescentes: a proporção cai
de 70 para 10 a cada mil.
Mães com muitos filhos, exigência crescente de
qualificação da mão-de-obra, escolas
públicas ruins, desemprego, baixos salários
e falta de estrutura familiar -fatores que concorrem para
perpetuar a má distribuição de renda-
são alguns dos ingredientes da criminalidade.
Curiosamente, entretanto, o tema quase não foi mencionado
durante a campanha eleitoral na cidade de São Paulo,
na qual se digladiam a sexóloga Marta Suplicy e José
Serra, ex-ministro da Saúde. Mais curioso ainda é
o fato de ambos terem posto no topo de sua agenda a preocupação
com a educação e a saúde, dois dos principais
temas ligados ao excesso de filhos de mulheres mais pobres.
O estrago da maternidade precoce pode ser avaliado com base
nos resultados de uma pesquisa (divulgada na quarta-feira)
que aparentemente nada tem a ver com o assunto. A Prefeitura
de São Paulo lançou estudo mostrando que, de
cada 10 empregos novos criados na cidade, quase 7 são
ocupados por mulheres de idade entre 18 e 24 anos que completaram,
no mínimo, o ensino médio e, na maior parte
das vezes, uma faculdade. Dificilmente uma mulher consegue
chegar a esse grau de escolaridade tendo sido mãe muito
jovem.
Resultado: há batalhões de indivíduos
que, mesmo num ambiente de crescimento econômico, terão
dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
Estão condenados a viver na marginalidade, dependendo
de verbas oficiais ou engrossando as fileiras do crime. Lembre-se
de que, no Brasil, nasce anualmente 1 milhão de filhos
de adolescentes.
Diante dessas devastadoras conseqüências, a solução
mais fácil e tentadora é
distribuir mais camisinhas ou pílulas.
O acesso a métodos contraceptivos é indispensável,
mas quem acompanha projetos que trabalham com adolescentes
sabe que a questão é mais complexa: a carência
crônica faz com a que as jovens, apesar da falta de
recursos, vejam no filho não um problema, mas uma solução.
Mais do que uma solução, uma perspectiva. Logo
vão descobrir, porém, que nem sequer encontraram
um projeto de vida e muitas vezes terão jogado no mundo
seres humanos que terão mais dificuldade de ter perspectiva.
Educadores aprenderam que a base do planejamento familiar
é o projeto de vida, é a capacidade de detectar
os próprios potenciais e de acreditar na possibilidade
de transformá-los em habilidades. A realização
se dá em vários níveis, além da
maternidade.
Quem tem projeto de vida acredita em si próprio porque
se respeita. Isso significa tanto se esforçar para
estudar ou batalhar um emprego como preservar o próprio
corpo.
Se quiser, de fato, enfrentar a pobreza, o prefeito da próxima
gestão terá de transformar os centros de saúde
e as escolas em espaços não apenas de educação
para a vida mas de educação na vida.
Evitar a gravidez precoce ou proteger-se contra doenças
sexualmente transmissíveis é somente uma conseqüência
da atitude de quem se valoriza no presente e aposta no futuro
-e, assim, acaba aprendendo que a melhor camisinha está
no cérebro, e não na genitália.
PS - Nesse tópico, há de ser feito reconhecimento
à Secretaria da Saúde da Prefeitura de São
Paulo, que realizou programas sobre questões reprodutivas.
A taxa de gravidez na juventude é alta, indecente até,
mas, diferentemente da tendência nacional, não
subiu, o que já é alguma coisa. A rede básica
de saúde recebeu material educativo sobre planejamento
familiar. Apesar de ainda insuficiente, aumentou (e muito)
a distribuição de camisinhas -houve um salto
de 866 mil unidades para mais 4,3 milhões; cartelas
de pílulas anticoncepcionais foram de 28 mil para 1,3
milhão. O DIU não era oferecido, agora são
12 mil unidades aplicadas por ano. Não havia nos postos
a chamada pílula do dia seguinte (levonorgestrel),
agora são distribuídos 3.215 comprimidos por
ano.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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