A dificuldade de comunicação
de Roberto já começava no sobrenome, povoado
de consoantes: Wahrhaftig (verdade, em alemão). Menino
calado, arredio, conseguiu, aos 8 anos de idade, ficar quase
seis meses cabulando todas as aulas, sem que fosse incomodado
pelos pais e professores. "Entrei num vácuo",
lembra Roberto. Os pais imaginavam que o filho ia para a escola;
e a escola, que os pais o tinham matriculado em outro lugar.
Recém-chegado de Curitiba, Roberto aproveitava as manhãs
para conhecer São Paulo, andando, sozinho, pelas ruas
e praças e, em dias de mais ousadia, pegava um trem
para as cidades vizinhas. "Não via sentido na
escola." Foi salvo por um violão. A mãe,
angustiada com a displicência escolar do filho e desinteresse
em fazer amizades, estimulou-o a estudar música - e
acertou. Talvez o melhor resultado daquele empurrão
ela só possa ver agora.
Passados 40 anos daqueles passeios clandestinos do gazeteiro
pelas ainda razoavelmente pacatas ruas paulistanas, o violão
começou a dar a ele na semana passada um novo sentido:
formar jovens mestres. "Estou tirando do papel um velho
projeto."
Ao descobrir na infância o prazer pela música,
Roberto foi enviado pelos pais a Israel para estudar violão
clássico. Ficou por lá dez anos e, quando voltou,
teve de dar aulas particulares para sobreviver. A maioria
de seus alunos vem de escolas de elite, como Santa Cruz, Palmares,
Vera Cruz e Nossa Senhora das Graças (Gracinha). "Muitos
deles não tinham projeto de vida e precisavam de novos
estímulos."
Como os alunos são de uma classe média que vive
confortavelmente, sem maiores preocupações materiais,
Roberto decidiu-se a fazer uma experiência, convidando-os
a serem professores particulares. "Achava que isso daria
a eles uma vivência com a realidade e um senso de responsabilidade."
Na semana passada, ele iniciou a experiência. Cada um
de seus alunos se tornou professor de um estudante de escola
pública, usando espaços públicos para
dar aulas -praças, por exemplo. Um patrocinador garantirá
a remuneração, mesmo que simbólica, da
aula. "Esse pagamento dá o sentido de profissionalismo
ao programa."
A idéia é que o estudante beneficiado com as
aulas gratuitas também vire, mais tarde, um jovem mestre.
O menino arredio, calado, descobriu, nessa corrente de aprendizado,
o prazer do contato humano pela música.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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