Domingo à noite, quando
recebeu, por um telefone público hospitalar, a notícia
de que tinha sido eleita vereadora, Sônia Francine,
a Soninha, não conseguiu comemorar. Naquele momento,
no Hospital das Clínicas, o que estava em disputa não
eram votos, mas muito mais do que isso -disputava-se a vida
de sua filha. "Entrei na pior das batalhas, em que a
derrota não dá segunda chance."
Faltavam dez dias para as eleições quando Soninha
foi informada pelos médicos de que Júlia, de
sete anos, sua filha mais nova, deveria ser imediatamente
internada. Diagnóstico: leucemia. "Um buraco se
abriu chão, fui caindo como se não pudesse me
agarrar em nenhum lugar."
Desnorteada, ela encostou os projetos políticos, desmarcou
todos os compromissos eleitorais e tratou de se concentrar
nas recomendações dos médicos: fazer
o possível para manter o equilíbrio emocional.
Sinais de descontrole apenas deixariam a menina ainda mais
insegura e talvez dificultassem o tratamento médico.
Começou a ler textos sobre a leucemia e seus tratamentos,
que, muitas vezes, são um suplício para os pacientes.
"Quando não agüentava aquela angústia,
saía correndo do quarto do hospital e ia chorar no
corredor."
Ao recorrer ao site de campanha para explicar as razões
do sumiço, Soninha, involuntariamente, fez daquele
espaço virtual um depositário de outros tipos
de voto -os desejos de cura. "Compartilhar a dor foi
o jeito que encontrei de enfrentá-la melhor."
A eleição só não terminou ali
porque os amigos se dispuseram a ajudá-la.
Como ela tinha decidido não poluir ainda mais a cidade
com cartazes nos postes, temia-se que a falta da candidata
aos eventos fizesse desmoronar a campanha exatamente na reta
final. De vez em quando, algum amigo dava-lhe uma informação
sobre a disputa. "Diante do que estava passando, a eleição
não tinha tanta importância."
No domingo à noite, os amigos não sabiam se
deveriam cumprimentá-la ou se deveriam disfarçar
o clima de comemoração. Soube, pelo telefone
público do hospital, que tinha obtido mais de 50 mil
votos. "Venci essa pequena batalha. Vou vencer agora
a batalha da minha filha."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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