Um surto agudo de anorexia nervosa
fez com que, há sete anos, a artista plástica
e arquiteta Susana Prizendt, já magra, fosse definhando
velozmente, a ponto de quase não conseguir se locomover.
Sem condições de trabalhar, trancou-se em casa.
Não sabe exatamente por que começou a experiência
de desenhar rostos em pequenas telas, usando os mais diferentes
materiais. "Fui descobrindo que era como se eu me conectasse
por daquelas obras para enfrentar cada dia", conta.
Se o corpo da anoréxica, rejeitando o alimento, ia
tentando se extinguir, a mente parecia encontrar uma saída.
Experimentou uma técnica semelhante à dos viciados
que tentam ficar limpos: viver um dia por vez como se fosse
toda uma vida. "Eu ia coletando objetos e os fixava em
minhas telas, como se fossem diários."
Susana produziu 600 pequenas telas e escolheu 270 delas —que,
transformadas em dias, significam nove meses de uma gestação.
Daí nasceu seu principal projeto: um diário
coletivo. Procurou 270 pessoas para que escolhessem uma tela
com a qual se identificavam e, a partir do desenho, contassem
um dia de sua vida.
Dispuseram-se a participar dezenas de anônimos: engraxates,
catadores de papel, barbeiros, aposentados, encanadores, porteiros.
Mas esse diário coletivo também reúne
celebridades, como Rita Lee, Mário Prata, Frei Betto,
Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e Antonio Candido —todos
registrando um dia de sua vida.
"Agora vou contar meu dia. Tem de tudo um pouco, como
uma salada coletiva", relata Geraldo, um catador de papel.
"Distraído enfrento o trânsito, avaliando
o número de páginas que poderei ler durante
os intervalos, obcecado com o livro comprado ontem",
escreve o empresário Horário Lafer Piva.
A experiência ensinou a Susana o poder terapêutico
da arte e a força que nasce do convívio com
as pessoas. "Não tinha percebido que, com essa
experiência, estava buscando me ligar às pessoas
e a suas conexões com o cotidiano para me manter de
pé."
Mas o projeto está suspenso: ainda não sabe
se terá forças para publicar esse diário
coletivo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Sinapse.
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