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Quando
ocorre um crime, os policiais recebem dados de suspeitos daquela
vizinhança, o que facilita as investigações
Em 1963, Nova York registrou 500 assassinatos -é o
mais antigo registro oficial disponível. Essa estatística,
que completou 44 anos, foi o que orientou minha contagem regressiva
para a passagem de ano na cidade, por revelar um fato de impacto
não apenas para Nova York, especialmente valioso aos
brasileiros, metidos numa insegurança generalizada.
Na segunda-feira, véspera do Réveillon, a marca
de homicídios estava em 494 casos, seguindo uma tendência
praticamente ininterrupta de 15 anos. Até o momento
em que escrevo esta coluna, Nova York tinha registrado menos
do que as 500 mortes, motivo de comemoração
coletiva. Mas as autoridades se mostraram ainda mais ambiciosas:
prometeram, para o ano que entra, mais progressos, com aumento
do policiamento nos bairros mais violentos. Na minha primeira
coluna de 2008, uso esse resultado para mostrar a engenhosidade
do poder local, que deveria inspirar os candidatos neste ano
eleitoral.
Quando morava em Nova York, no final da década de
1990, muita gente aqui não acreditava que a queda do
crime fosse consistente, imaginando que se tratava de fato
passageiro. Demorou um bom tempo até que toda a sociedade
se convencesse da tendência, produzida graças
a uma serie de fatores, como mudanças demográficas,
contínuo crescimento econômico e fim da "epidemia
do crack".
Montou-se um sistema de policiamento baseado num sofisticado
monitoramento de informações e estabeleceram-se
metas de crime por região, responsabilizando os delegados.
Periodicamente, esse sistema é aprimorado. Atualmente,
quando ocorre um crime numa determinada rua, os policiais
recebem imediatamente dados sobre todos os suspeitos daquela
vizinhança, o que tem facilitado as investigações.
Simultaneamente, coordenou-se uma série de ações
de melhoria das escolas, para reduzir a violência. Partiu-se
da idéia de que, sem segurança, os professores
e alunos jamais teriam condições de aprender.
Isso se traduziu em novos programas para os alunos "difíceis",
escolas menores, reconhecimento aos professores eficientes,
atração de talentos para dar aulas nos piores
bairros. Há um esforço para seduzir os melhores
universitários e convencê-los a lecionar, mesmo
que seja temporariamente.
Significou também arrecadar dinheiro de empresários
para ajudar em novos projetos educacionais; em 2007, arrecadaram-se
cerca de R$ 700 milhões em doações, o
que daria para construir, em São Paulo, cerca de 40
CEUs (Centros de Educação Unificados). Parte
desse dinheiro é destinada a um fundo, a ser aplicado
neste ano, destinado a premiar os professores das escolas
mais problemáticas, cujos alunos tenham demonstrado
progressos. Esse prêmio é dado com o apoio do
sindicato dos professores, pressionado pela opinião
pública.
Instituições privadas aceitam gerir escolas
públicas, comprometendo-se com metas rígidas
de desempenho, desde que tenham autonomia para contratar e
demitir, a seu critério, diretores, professores e supervisores.
As notas dessas escolas, geridas pela comunidade, são
especialmente animadoras e beneficiam justamente os mais pobres
entre os mais pobres.
Para ajudar os alunos, ajudam-se também seus pais,
tentando envolvê-los na educação dos filhos.
Na área social, Nova York, mais do que ampliar a assistência,
passou a exigir mais contrapartidas das famílias beneficiadas.
Para cada dólar recebido, existe uma obrigação
voltada a cuidados com higiene, saúde, educação
e preparação profissional.
Ex-chefes de gangues e ex-drogados são recrutados para
contar suas histórias de vida aos adolescentes, que
vêm ganhando mais espaços alternativos para tentar
desenvolver habilidades. Como se quebrou a norma da impunidade,
tão comum nas décadas de 1970 e 1980, ficou
um pouco menos difícil enfrentar as gangues e seus
domínios nos bairros e nas escolas.
Com apoio do empresariado, desenvolveram projetos de geração
de empregos nos bairros mais desolados, criando-se vocações
locais. Voltei a visitar algumas dessas regiões, então
mais distantes e desoladas e, agora, estão não
as reconheci, tantas as novas lojas, prédios e centros
de lazer.
Não se vê, na cidade, acomodação;
os resultados ainda são considerados insatisfatórios.
Mas o recorde de estatística de assassinatos é,
em essência, a síntese de um esforço coletivo
em diversas áreas. Tais conquistas seriam impossíveis
se o prefeito não fosse um grande articulador de recursos
e de energias, que colocou a cidade como sua grande meta,
não como um trampolim, como ocorre no Brasil. Portanto,
o melhor show de Nova York não é o que passa
em seus teatros, mas o que vemos em suas ruas.
PS- Completam-se neste janeiro dez anos desde que deixei Nova
York, onde aprendi a força capaz de surgir dentro de
uma coletividade contra a degradação urbana.
Trouxe da cidade um aprendizado de otimismo sobre até
onde se vai quando assumimos desafios e responsabilidades.
Na época, escrevi que via os mesmos ingredientes de
resistência em São Paulo -que me desculpem os
crônicos derrotistas nativos, mas acertei, embora estejamos
longe, muito longe, de uma sociedade minimamente civilizada.
O primeiro pacto a ser feito, neste ano, é que os candidatos
à prefeitura façam da cidade um fim, não
um meio, trazendo propostas embasadas em números, não
em discursos.
Os dois principais candidatos, Geraldo Alckmin e Marta Suplicy,
ambos com indiscutível experiência administrativa
e conhecimento da cidade, ainda vão ter de nos convencer
de que São Paulo não é um prêmio
de consolação para suas frustradas expectativas
presidenciais nem um trampolim para as eleições
de 2010. Evitar o apagão do trânsito, por exemplo,
exige alguém que não se preocupe demasiadamente
em ser impopular a curto prazo.
Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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