O maior
desafio da velhice é o preconceito daqueles que vêem
os idosos como fadados à inutilidade
Raimunda Nonata da Silva Maciel tornou-se notícia,
na semana passada, por ser a vestibulanda mais velha a entrar
numa faculdade brasileira. Com 81 anos, ela ingressou num
curso de serviço social no Pará -aliás,
na mesma universidade em que estuda uma de suas netas. Quando
lhe perguntaram por que tinha escolhido aquele curso, brincou:
"É para cuidar dos velhos".
O caso de Raimunda Nonata, obrigada a deixar a escola quando
era adolescente, será cada vez mais rotineiro -assim
como parecerá menos estranho uma pessoa como Oscar
Niemeyer comemorar cem anos de vida em plena atividade profissional.
Essa é a perspectiva que sugere o estudo do IBGE lançado
na semana passada, sobre a expectativa de vida do brasileiro,
que ajuda a redefinir os limites da velhice. Será que
alguém que, aos 81 anos, entre numa faculdade pode
ser chamado de velho?
Segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro já
está em 72,3 anos, com um ganho de quatro meses e 26
dias entre 2005 e 2006; no Distrito Federal, essa taxa sobe
para 75,1 anos. Em 1960, a expectativa de vida era de 54,6
anos. Com as melhorias nos tratamentos médicos e na
prevenção de doenças, a expectativa de
vida vai subir por muito tempo.
"Quase todos os prédios que eram construídos
antigamente tinham de ter um playground para as crianças.
Agora, precisam de áreas para idosos", afirma
o professor de geriatria da Faculdade de Medicina da USP Wilson
Jacob Filho, para quem as pessoas, no futuro, vão viver
até os 120 anos. Isso faria de Raimunda Nonata, sem
exagero, uma jovem, ainda com 40 anos pela frente.
Na coluna passada, apresentei um sinal da redefinição
dos limites da velhice, baseado em pesquisas do Ministério
do Trabalho: o emprego cresce com mais rapidez entre profissionais
acima dos 50 anos. Acima dos 65, o crescimento é três
vezes maior que entre os de 18 a 24 anos.
Tais estatísticas estão embaralhando o debate
baseado na quase unanimidade de que o velho é essencialmente
um problema. É apenas uma questão de tempo pensar
nele também como uma solução.
O envelhecimento da população é apresentado
como um problema porque, entre outras coisas, aumenta os gastos
com saúde e previdência, além de tomar
o emprego dos mais jovens. Mas a pergunta é a seguinte:
quantos indivíduos como Niemeyer, com a sua experiência,
a sociedade vai ter por mais tempo?
Naturalmente, as mudanças demográficas trazem
novos desafios, entre os quais o da bomba previdenciária.
Os desafios, entretanto, não se limitam apenas aos
mais velhos. Está em movimento também o limite
da adolescência, que vem se estendendo até os
30 anos. Basta ver o número de pessoas que, nessa idade,
ainda vivem com os pais. Isso faz com que, aos poucos, tenda
a diminuir o número de mães tão jovens,
como revelou o IBGE, na quinta-feira: um quinto dos partos
é feito em mulheres com até 20 anos. O que antes
era algo comum agora é visto como uma anomalia social
a ser enfrentada urgentemente, afinal uma mãe precoce
terá dificuldades crescentes de entrar no mercado de
trabalho.
O maior desafio da velhice não são os gastos
com saúde ou previdência. É o preconceito
daqueles que vêem os idosos como incapazes de se reciclar
e, portanto, fadados à inutilidade. Mas, com novos
tratamentos médicos e recursos tecnológicos,
o conceito de autonomia também está mudando.
Confina-se o idoso à situação de que
ele é inútil por não ser produtivo, logo
seu papel é esperar a morte. E, com isso, perde-se
o mais importante elemento da manutenção da
juventude: a curiosidade.
Jovem, afinal, é quem se mantém curioso -e
velho é aquele que acha que não tem mais nada
para aprender. Por isso, chamar Raimunda Nonata de inútil
é uma óbvia asneira. Ela é um entre tantos
ícones dos novos velhos.
PS - O preconceito contra o idoso é nutrido especialmente
nas escolas, onde, em essência, se ensina que a utilidade
do conhecimento está ligada a ter uma profissão.
Somos alguém porque, em poucas palavras, temos trabalho
e somos úteis, o que é uma óbvia redução
da condição humana. Basta ver o debate em torno
de mais uma bateria de indicadores educacionais internacionais
(Pisa), divulgados na semana passada, na qual nos saímos
muito mal. A queixa básica é que não
seremos um país competitivo com trabalhadores com baixa
escolaridade. Isso, a rigor, não está errado.
Mas também é um problema tão grande quanto
o profissional não tirar proveito da diversidade humana,
não desfrutar a chance de ser protagonista na vida
ou até mesmo de apreciar obras de gente como Mozart,
Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Monet ou Portinari.
Como diria o sábio Rubem Alves, com seus 70 anos, uma
vassoura é extremamente útil, mas isso não
a faz mais importante do que a nona sinfonia de Beethoven,
que, a rigor, não tem nenhuma utilidade.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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