As projeções
das películas em preto-e-branco serviram de inspiração
para que Luiz Carlos Pereira enfrentasse a violência
Nos finais de semana, a praça Oscar da Silva, na Vila
Guilherme (zona norte de São Paulo), se transforma
num cinema ao ar livre. Os filmes gratuitos atraem moradores
de todas as idades dos bairros vizinhos.
Mas a melhor história mesmo está por trás
das telas. É a história de um menino que aprendeu
a gostar de filmes nas projeções improvisadas
no quintal da casa de um amigo. Aquelas projeções
das películas em preto e branco serviram de inspiração
para que ele enfrentasse a violência.
"Eu precisava inventar alguma coisa para ganhar apoio
dos moradores do bairro", conta Luiz Carlos Pereira.
O sargento Luiz Carlos foi designado para comandar a base
de policiamento comunitário da Vila Guilherme, onde
uma das reclamações era sobre a situação
deplorável da praça Oscar da Silva. "Estava
suja, cheia de lixo e servia de ponto de tráfico de
drogas." Comandou, então, um mutirão de
limpeza. Mas só a limpeza não bastava. Precisava
ocupar para sempre o espaço. Foi aí que vieram
as imagens de sua infância no quintal da casa de um
amigo, no interior de São Paulo.
Em Catanduva, onde Luiz Carlos passou a infância,
havia uma família, cujo um dos filhos vivia nos Estados
Unidos e, nas férias, voltava para casa. Esse rapaz
tinha um projetor e, de noite, convocava as crianças
das redondezas para mostrar os filmes na parede. "Ficávamos
todos hipnotizados." Como sua família era pobre,
Luiz Carlos nunca tinha ido a um cinema de verdade. "Vi
esse mesmo tipo de criança na Vila Guilherme",
conta.
Mas o que o inspirou, de fato, foram as lições
que aprendeu sobre segurança. "Só é
possível resolver o problema da violência com
a confiança da comunidade." Por isso, ele forrou
as paredes do posto de segurança com fotos antigas
do bairro para dar um ar de acolhimento.
Também ajudou o fato de, antes de ser policial, ter
se formado professor de biologia. "Um dos meus prazeres
é, nos horários vagos, dar aula voluntariamente
para alunos de escolas públicas." Sem dinheiro,
pediu emprestado um projetor e as caixas de som; a escola
pública cedeu as cadeiras. No lugar do telão,
usou a parte de trás de uma placa com o anúncio
de uma farmácia. Uma locadora cedia os filmes. "Era
tudo improvisado, mas funcionava."
As experiências comunitárias do sargento renderam-lhe
um prêmio do Instituto Sou da Paz, concedido a policiais
inovadores. Com o dinheiro, Luiz Carlos comprou um telão
e caixas de som -e, assim, aumentou a audiência dos
filmes. "Só não tem sessão quando
chove." Para que não o acusem de nenhuma irregularidade,
ele está se acertando com distribuidoras e empresas
privadas para apoiar o projeto.
O final feliz desse roteiro comunitário está
numa estatística. Quando ele iniciou o policiamento
ali, a média de roubos de carros era de 40 por mês
-agora está em seis. Há ações
que explicam essa queda -a melhor gerência do efetivo
policial, por exemplo. Mas o sargento diz não ter dúvida
de que o cinema na praça ajudou a desenvolver uma confiança
em seu trabalho.
Link relacionado:
Projeto
da polícia recupera praça e atrai jovens
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|