É
impossível não ver um avanço e tanto
quando o centro chama a atenção do mundo com
riqueza
Num único dia, Roberto Lombardi de Barros embolsou
R$ 60,4 milhões ao vender uma parte de suas ações
da Bovespa Holding, a nova proprietária da Bolsa de
Valores de São Paulo. Essa montanha de dinheiro obtida
tão rapidamente por um indivíduo é uma
das traduções da operação de abertura
de capital em que se arrecadaram R$ 6,6 bilhões.
O bem-sucedido lançamento de ações mostra
uma aposta no futuro das empresas e, é claro, do Brasil.
Aguarda-se a abertura de capital da Bolsa de Mercadorias &
Futuros, que promete mais um jorro de dinheiro para um punhado
de afortunados como Roberto Lombardi. Existe, porém,
uma tradução provinciana: os R$ 6,6 bilhões
levantados num mesmo dia indicam que a cidade de São
Paulo está encontrando sua luz no fim do túnel.
Luz no fim do túnel significa a descoberta de uma
vocação econômica, baseada em serviços,
capaz de produzir riquezas. De janeiro a setembro deste ano,
segundo dados do Ministério do Trabalho, criaram-se,
na cidade de São Paulo, 183.607 novos empregos com
carteira assinada; é mais do que se criou em todo o
Centro-Oeste brasileiro. Comparando-se com o mesmo período
de 2006, o aumento é de 16%.
Resultado: demanda crescente por mão-de-obra, especialmente
a qualificada. O grau de empregabilidade dos formandos de
cursos profissionalizantes de nível médio e
superior vai além dos 80%.
Há uma corrida, por exemplo, atrás de engenheiros
ou de mestres-de-obra. Nos últimos 12 meses, o emprego
na construção civil, na cidade, cresceu 14%.
A demanda levou empresários a lançar um projeto
chamado "Doutores
da Construção", destinado a formar
eletricistas, serralheiros, encanadores, pedreiros e marceneiros.
Os aprovados passam a ter o nome listado no site do projeto;
os reprovados são convidados a voltar a estudar.
Orgulhosa de ser o motor do Brasil, São Paulo entrou
em crise de identidade quando se combinaram a perda de indústrias,
muitas das quais rumaram para o interior, e o baixo crescimento
econômico. Persistiam uma alta taxa de fecundidade e
a chegada de migrantes.
Os sinais da depressão eram visíveis em todos
os lugares. A região central, onde estão os
prédios da Bovespa e da BM&F, antes tão
charmosa, virou palco de desempregados, crianças drogadas,
camelôs, trombadinhas e mendigos. Surgiram 3 milhões
de pobres (metade dos quais na linha da indigência),
sem contar todo o cinturão de miséria da região
metropolitana; um nível de desemprego entre os jovens
da periferia que ultrapassa os 60% e condições
de moradia indecentes; a educação pública
se massificou, piorou ainda mais de qualidade e formou diferentes
modalidades de analfabetos. Esses são alguns dos fatores
que ajudam a entender nossa sensação de insegurança.
Nada mais simbólico do que o bairro da Luz, cuja estação
recebia os esperançosos migrantes e imigrantes. Ao
redor dali, os empresários construíram imponentes
mansões. A imagem da prosperidade desapareceu quando
a região foi invadida por meninas e meninos viciados
em crack, maltrapilhos e esparramados pelo chão, criando
a cracolândia.
Neste mês, foi anunciada uma lista de grandes empresas,
especialmente do segmento de tecnologia de informação,
dispostas a fazer investimentos na cracolândia. Seduzidos
por estímulos fiscais e pela escassez de centrais com
boa infra-estrutura, os empresários cheiraram a chance
de ganhar dinheiro. Nos últimos anos, reformas produziram
ali alguns dos magníficos equipamentos culturais como
a Sala São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa
e a Pinacoteca. Fez de uma prisão de presos políticos
(Deops) um museu de arte contemporânea.
Por isso, o mais potente símbolo de revigoramento
paulistano está na cracolândia, rebatizada Nova
Luz. Insinua-se, nesse batismo, o fim de uma cidade como a
conhecemos, na qual, por falta de trabalho, a miséria
apenas cresceu junto do caos urbano, personificado nas crianças
destruídas pelo crack.
O estoque de selvageria deixado é tão grande
que ainda não podemos ver claridade. Por enquanto,
só a luz no fim do túnel. Mas é impossível
não ver um avanço e tanto quando o centro da
cidade, paisagem dos destroços humanos, chama a atenção
do mundo por uma inusitada geração de riqueza.
Mesmo que seja para tão poucos.
A virada que testemunhei em Nova York estou assistindo, embora
muito mais lentamente, em São Paulo -até mesmo
a redução dos assassinatos.
PS - Coloquei no site
uma série de matérias sobre o futuro do emprego
na região metropolitana de São Paulo e os novos
cursos, refletindo a sofisticação do mercado
de trabalho. Apenas um exemplo é a profissionalização
do "vitrinista",
pessoa especializada em montar vitrines.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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