"Estudantes
com habilidades muito acima da média têm dificuldades
de lidar com a modorra de sala de aula"
Rebelde e inquieta, Ada Toscanini dava trabalho a seus professores
em Buenos Aires -e os professores também lhe davam
trabalho, submetendo-a a vários castigos e até
a humilhações, como expulsá-la da escola.
Toda essa rebeldia deixou-a obcecada por descobrir talentos
incompreendidos.
A inquietude continuou na vida universitária: iniciou
três cursos -matemática, física e biologia-,
mas não concluiu nenhum deles. O regime militar fez
com que ela se refugiasse em São Paulo. Teve três
filhos, todos com dificuldades em sala de aula. "A diferença
é que, antes de serem expulsos, os tirava da escola."
No Brasil, cursou pedagogia com foco em crianças com
necessidades especiais e, depois, se dedicou à arte-terapia.
No consultório, percebeu que muitas das crianças
que lhe eram encaminhadas por causa de dificuldades na escola
sofriam do mesmo "mal": excesso de talento. "Algumas
chegavam a ser medicadas."
Muitas vezes, crianças com excesso de inteligência
apresentam sintomas de hiperatividade e distúrbio de
atenção e acabam sendo obrigadas a tomar remédios
ou a fazer terapia.
"Ocorre que, freqüentemente, os estudantes com habilidades
muito acima da média precisam também de estímulos
apropriados para se desenvolverem e têm dificuldades
de lidar com a modorra de sala de aula."
Ada passou, então, a se aproximar de entidades que
estudavam o caso de crianças com altas habilidades,
popularmente mais conhecidas como superdotadas. Ela prefere
ampliar o conceito para englobar não apenas os estudantes
que se destacam no aprendizado das matérias escolares,
mas também aqueles que sobressaem quando o assunto
é empreendedorismo, liderança, esportes ou artes.
Alguém com habilidades relacionais -fazer amigos e
estabelecer contatos- pode se encaixar nesse grupo.
Mas o que a deixou surpresa foi o que descobriu quando começou
a investigar as escolas públicas.
Durante vários anos, ela aplicou testes em estudante
de escolas municipais de bairros pobres de São Paulo.
Invariavelmente, encontrava um grupo de cerca de 20% de crianças
com altas habilidades, muitas das quais tidas como problemáticas
pelos próprios pais e pelos professores.
Dedicou-se a ensinar os professores a perceber quando estão
diante de um aluno com sinais de alta habilidade. O difícil,
porém, não é identificar esses jovens.
A dificuldade está no que fazer com essa informação.
Ada recebe um grupo de alunos com essas características.
"Alguns faltam porque não podem pagar a passagem
do ônibus."
O que acontece quando essas pessoas são acolhidas ela
aprendeu, de fato, em casa. Depois da turbulência escolar,
seus três filhos descobriram sua vocação
e encontraram suas profissões. Entre as várias
lições, eles lhe ensinaram a importância
da disciplina. "Eu os deixava fazerem em casa o que não
podiam fazer na escola." Um dia, disseram que queriam
morar numa "casa normal".
"Ficaram mais seguros com a disciplina que eles próprios
criaram."
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Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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