A exibição
do filme "Tropa de Elite" deveria ser obrigatória
nas escolas. Mais do que a envolvente denúncia da banalização
do mal no Brasil, na qual policiais e bandidos se transformam
em animais e criminosos, o filme provoca uma reflexão
sobre a responsabilidade individual.
O inocente consumidor de maconha, sentindo-se conectado com
a natureza ou com a leveza espiritual, ou o alto executivo
que consome cocaína são apresentados também
como sócios do tráfico - e com razão.
É fácil culpar apenas o governo, a polícia,
os traficantes e assim por diante. Mais difícil é
nos culparmos - e aí está um dos problemas brasileiros.
A culpa é sempre dos outros. Vejamos alguns exemplos
disso.
Muito mais do que o consumo de drogas, o que mais mata no
Brasil é a ingestão de álcool, uma das
causas das cem mortes diárias e dos mais de 100 mil
feridos por ano no trânsito. Nem os publicitários
nem os veículos de comunicação que exibem
os anúncios de cerveja, com sedutores apelos, se sentem
minimamente responsáveis por essa tragédia.
A culpa? Só do governo.
Só nas ruas da cidade de São Paulo morre um
motoboy diariamente (e mais 25 deles ficam feridos também
a cada dia). Isso porque se contratam empresas de entrega
irresponsáveis, mesmo sabendo que já existe
um selo de qualidade para motofrete. A culpa? Só do
governo.
As pessoas emporcalham as ruas com lixo apenas porque não
têm paciência de jogá-lo em algum lugar
apropriado. Madames não se incomodam que seus cachorros
façam das calçadas banheiros. A culpa? Só
do governo, que não limpa as ruas.
O governo sobe os impostos sem parar, assim como contrata
novos funcionários públicos sem parar. Pouco
se faz contra essa extorsão. Nem mesmo sabemos como
o orçamento é feito. De quem é a culpa?
Do governo.
Deputados, senadores, vereadores cometem crimes e fazem negociatas,
mas pouco acompanhamos seus mandatos. Durante a campanha,
preferimos o show do marketing à análise de
propostas. Até esquecemos em que votamos. De quem é
a culpa? Dos políticos.
Não quero deixar, é claro, de responsabilizar
os governos. É preciso, porém, dizer que, num
mundo civilizado, todos deveriam saber não apenas quais
são seus direitos mas também quais são
seus deveres. Isso é o básico de cidadania,
cuja discussão o filme, através da droga e da
violência, lança com alto teor pedagógico
- portanto sua exibição deveria ser obrigatória
na escolas.
É um bom debate para que saiamos dessa adolescência
da cidadania, que pensa ter muitos direitos e poucos deveres.
***
Da mesma maneira, é obrigatório pensarmos que,
no futuro, a droga será um problema não de polícia,
mas apenas de saúde pública. Não sei
se a repressão não acaba fazendo mais mal do
que bem no combate ao vício.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria Pensata.
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