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A crise
reflete tendências que vão além da educação;
está em jogo a garantia de obter um emprego e prosperar
nele
Uma das mudanças previsíveis do mercado de
trabalho é o fim de uma profissão que, até
pouco tempo atrás, oferecia um salário razoável
e até mesmo produzia, em alguns casos, pequenas fortunas:
professor de cursinho pré-vestibular. A perspectiva
econômica dos cursinhos é tão animadora
quanto a de uma fábrica de máquinas de escrever.
É fácil entender essa morte anunciada: em primeiro
lugar, existe uma crescente oferta de cursinhos pré-vestibulares
gratuitos; em segundo, na maioria das universidades privadas,
o número de vagas é maior do que o de candidatos
à sua procura; em terceiro, para entrar nas faculdades
mais disputadas, já não basta ao estudante memorizar
informações.
É necessário manejar conceitos que se vinculem
a diferentes áreas do conhecimento, o que exige uma
sólida formação do vestibulando.
A anunciada decisão da Universidade de São Paulo
de implantar o vestibular seriado é mais um tiro, quase
fatal, nos cursinhos. De acordo com esse sistema, o estudante
faz provas em todos os anos do ensino médio e, no final,
vale a média das notas obtidas.
A crise desse negócio reflete tendências que
vão muito além da educação. Está
em jogo, em essência, a garantia de obter um emprego
e prosperar nele.
De tanto receberem críticas, os vestibulares foram,
aos poucos, ficando melhores e agora trazem questões
mais complexas, que envolvem diferentes disciplinas, conectadas
a questões concretas. Um problema ecológico
exige do estudante que ele discorra sobre biologia, química,
física ou história.
Esse é o eixo do Enem, usado também para ajudar
a selecionar jovens para as faculdades.
Note-se que as escolas cujos alunos apresentam bom desempenho
nesse exame mostram, não por coincidência, um
número maior de aprovados nos vestibulares dos cursos
superiores mais disputados - nas escolas melhores, estão
aqueles que, por razões familiares e poder aquisitivo,
tiveram a chance de obter uma formação geral.
Quem quiser entrar no curso de direito da Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo, terá de
mostrar conhecimento conceitual de arte, além de se
submeter a uma dinâmica de grupo, na qual se testam
a proficiência em argumentação, a aptidão
para a liderança e a capacidade de trabalhar em equipe.
A polêmica decisão da Prefeitura do Rio de Janeiro
de oferecer prêmios em dinheiro aos melhores alunos,
anunciada na semana passada, faz até sentido, a considerar
o conjunto de medidas de combate à evasão escolar,
mas é quase como tentar inovar uma máquina de
escrever -algo que, em se tratando de educação
pública, ainda é apresentado como moderno.
E, se o "teclado" não funcionar bem, a culpa
não é da escola nem do professor, mas do aluno.
Não é só o vestibular que força
as alterações do currículo escolar. O
mercado de trabalho se interessa por indivíduos com
formação técnica, mas exige também
que tenham a capacidade de enfrentar desafios, de empreender,
de trabalhar em grupo, de renovar constantemente seus conhecimentos.
Isso se vê, com clareza, nos testes para trainees das
grandes empresas, nas quais, não raro, 3.000 candidatos
lutam por uma vaga.
Não há executivo bem posicionado que não
participe de algum programa de atualização.
Já que se exige aprendizagem permanente para responder
à velocidade das inovações, perdem o
sentido a divisão de ensino por séries e notas,
que, muitas vezes, medem o que se memorizou para a prova,
não as habilidades para resolver os problemas. A nota
é ainda reverenciada, como se viu na repercussão
da medida anunciada, na semana passada, pelo governo de São
Paulo da volta do boletim unificado.
Em geral, as notas não aferem, por exemplo, a habilidade
de selecionar informações e aplicá-las
no cotidiano. Em suma, pouco medem da auto-aprendizagem.
Pesquisas realizadas pelos mais diferentes veículos
de comunicação vêm detectando nos jovens
um comportamento crescentemente hiperativo diante das notícias,
além de uma disposição não apenas
de ver, ouvir e ler mas também de participar, ser co-autor
(isso explica a multiplicação dos blogs).
Uma das melhores sínteses dessa atitude é, provavelmente,
a Wikipedia, a biblioteca construída em conjunto por
autores anônimos espalhados pelo mundo. Em meio ao encanto
dessa múltipla autoria, no entanto, surgem denúncias
de que tanta abertura acaba dando espaço a verbetes
errados, em geral, fruto da influência clandestina de
empresas e governos. Quanto mais informação,
mais confusão.
Comunicadores e educadores enfrentam o mesmo desafio para
que suas atividades tenham relevância: o de selecionar
sempre com mais rapidez sem perder o rigor.
A escola de qualidade não será medida pelo número
de informações que leva um aluno a memorizar,
mas pela sua capacidade de ajudá-lo a selecionar e
a associar dados e idéias, convertendo-os em ações.
Da mesma maneira, os veículos de comunicação
serão avaliados menos pela quantidade de suas notícias
exclusivas -os chamados furos- do que pela aptidão
de antecipar tendências. Antecipar tendência é
a tradução da habilidade de olhar de ângulos
diferentes e ver no presente aquilo que terá alguma
relevância no futuro.
Do contrário, educadores e comunicadores terão
o destino das máquinas de escrever ou dos cursinhos
pré-vestibulares.
PS - Uma das melhores coisas que se pode fazer pela juventude
e pela educação é a proposta do governo
de SP, de oferecer cursos técnicos no ensino médio.
Se sair do papel e se for bem executada, a medida vai ajudar
a empregar os jovens e a tornar o ensino mais atraente.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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