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A
chegada da primavera indica como a vanguarda política
vai priorizando aos poucos a gestão das cidades
A próxima chegada da primavera candidata-se a entrar
para a história de São Paulo. Neste ano, a mudança
de estação produz uma paisagem inusitada.
Articulações realizadas pelos mais diferentes
grupos com distintos objetivos desembocaram, por coincidência,
no fim de semana em que começa, a partir do dia 22,
a primavera. Haverá, ao mesmo tempo, as seguintes mobilizações:
1) o Dia Mundial sem Carro, uma data até agora insignificante
no Brasil, está, desta vez, envolvendo centenas de
entidades, muitas das quais com razoável peso político,
sensíveis à reflexão sobre a necessidade
de gerir com mais inteligência as cidades; 2) grupos
que desenvolvem ações contra a violência
farão caminhadas para lembrar o Dia da Paz; 3) ecologistas
vão lembrar (e com muitos pesares) o Dia do Rio Tietê;
4) A Virada Esportiva, em sua primeira versão, pretende
promover, por 24 horas seguidas, atividades esportivas em
todas as regiões.
Não há registro, em toda a história paulistana,
da programação de tantos eventos para o mesmo
dia. O agito deve deixar para trás a Virada Cultural,
que conseguiu congregar 3 milhões de pessoas numa maratona
de 24 horas de espetáculos.
A chegada da primavera de 2007 traz uma exótica flor
-a da resistência contra a barbárie urbana.
Todos aqueles eventos, distintos, se traduzem na ocupação
do espaço público, para que a convivência
seja um motivo de comemoração, não de
medo -algo que parece mais raro nas grandes cidades brasileiras,
especialmente nas metrópoles.
Isso é o que vai estar no topo não só
de todos os debates eleitorais do próximo ano, quando
se escolherão os novos prefeitos, mas da agenda brasileira,
pelo simples fato, óbvio, de que nada incomoda tanto
o cidadão como a violência.
O detalhe da chegada da primavera indica como a vanguarda
política vai, aos poucos, priorizando a gestão
das cidades, a tal ponto que, por diferentes caminhos, milhões
de pessoas são convocadas a ocupar as ruas. Está
nascendo em São Paulo, como reação à
generalizada barbárie, um modelo de participação
-como nasceram os movimentos contra o autoritarismo. É
por aqui que brotam articulações nacionais contra
o aumento de impostos e pela exigência de mais rigor
nos gastos públicos, como o Todos pela Educação,
de inspiração empresarial, com metas de ensino
até 2022.
Na maioria das articulações contra a incivilidade
urbana, a comunidade tem papel preponderante. Se não
é protagonista, no mínimo, é co-autora.
Os governos perdem força de opinião, tamanha
sua crônica incompetência, e necessitam de parcerias
para não ficarem falando sozinhos.
A tentativa de fazer do Dia Mundial sem Carro algo que não
seja folclórico só é possível
porque se criou o movimento Nossa São Paulo, que reúne
uma série de associações da cidade, algumas
das quais empresariais, na maioria das vezes, distantes de
temas locais. Se depender apenas dos governantes, dificilmente
alguém terá coragem para desafiar o domínio
dos carros particulares.
Uma das maiores conquistas paulistanas, de impacto nacional,
foi a redução, nos últimos anos, das
taxas de homicídio, em 70%, e dos latrocínios,
em 90%. Sem maior eficiência policial, essas reduções
seriam impossíveis. Mas seriam muito mais lentas sem
as campanhas pelo desarmamento, os programas bancados por
empresários para encaminhar denúncias de crimes,
o fechamento de bares em lugares mais violentos, os projetos
sociais que reduziram a exclusão de jovens.
O policiamento comunitário funciona, de verdade, quando
tem apoio nos bairros. No Jardim Elisa Maria, por exemplo,
o índice de homicídio caiu 80% nos últimos
cinco meses.
Tais fatos refletem não só elites mais antenadas
socialmente, e mesmo políticas públicas melhores,
mas também o aumento da escolaridade dos habitantes
de São Paulo. Com a ampliação das matrículas
nos supletivos, impulsionada pelas demandas do mercado de
trabalho, hoje, cerca de 85% dos jovens de até 29 anos
têm diploma de ensino médio.
Entende-se, assim, a corrida ao ensino superior e até
o fato de ter sido inaugurada, neste ano, uma livraria de
proporções desconhecidas no país. Também
se entende por que se eleva, sem parar, a oferta de atividades
culturais, muitas das quais gratuitas, e por que a população
apóia a despoluição visual, hoje, uma
das marcas distintivas paulistanas.
Essas são as flores, embora ainda sejam poucas e ainda
murchas, da primavera paulistana.
PS - Fiz uma lista
de 60 fatos recentes que revelam sinais da busca de civilidade
paulistana. Englobei tanto um Antônio Ermírio
de Moraes adotando uma praça e um José Mindlin
doando todo o seu raríssimo acervo de livros raros
para erguer uma biblioteca pública, como o maestro
Baccarelli, que criou uma orquestra sinfônica na favela
de Heliópolis -embelezada pelo arquiteto Ruy Ohtake-,
e um diretor de escola na periferia que, à noite, dá
aulas de caratê.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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