Em jogo:
os indicadores de educação e a articulação
da sociedade para impor mais eficiência ao serviço
público
Está previsto para a próxima segunda-feira
o anúncio de uma polêmica iniciativa para estimular
o desempenho de funcionários públicos no Brasil:
pagar mais para quem produz mais, algo corriqueiro na iniciativa
privada, mas ainda um tabu no serviço público.
Uma das medidas do plano do governo paulista para melhorar
o ensino público é premiar com dinheiro funcionários
de vários setores da escola, do diretor ao faxineiro,
com base no desempenho dos alunos. Mesmo que, num ranking
geral, o colégio não fique bem colocado, o esforço
será reconhecido. A base de comparação
são os indicadores internos de cada instituição,
e não da rede de ensino; do contrário, seria
uma injustiça com os professores que trabalham na periferia.
Já na próxima sexta-feira, professores reúnem-se
na praça da Sé para, entre outras queixas, reclamar
desse sistema de mérito. Imaginam conseguir o apoio
de sindicatos das demais categorias e, assim, influenciar
também os políticos.
O que está em jogo por trás dessa briga não
são apenas os indicadores de educação,
mas o grau de articulação da sociedade para
enfrentar as corporações e impor mais eficiência
ao serviço público. Testa-se, em suma, a capacidade
de medir desempenho e saber como vem sendo usado o nosso imposto.
Cálculos divulgados na semana passada informam que
cada família vai pagar, neste ano, R$ 626,41 apenas
com a CPMF; estima-se que o total arrecadado com essa taxa
seja de R$ 34 bilhões. O governo alega que não
pode viver sem esse imposto, cujo "p", vamos lembrar,
é de provisório.
Quando verificamos as contas apenas do governo federal, vemos
que, comparando o semestre do ano passado com o mesmo período
de 2007, houve um aumento de R$ 13 bilhões. Desse total,
R$ 6,2 bilhões foram a mais para o funcionalismo.
As despesas com os programas de renda mínima, que atingem
muito mais gente (e, diga-se, gente muito mais pobre), foram
de R$ 1 bilhão, bem menos, portanto, do que os gastos
com os servidores.
Como saber se esses suados (e supostamente provisórios)
R$ 626,41 estão valendo a pena? Seriam eles mais bem
utilizados se ficassem nas mãos das famílias?
Costumo reduzir esse debate a um único indicador:
damos mais de quatro meses de salários para manter
os governos e só 5% dos alunos deixam o ensino médio
com conhecimento adequado de português.
Fecho com os dirigentes dos sindicatos quando eles dizem que
a culpa da baixa qualidade de ensino não pode recair
apenas em cima dos professores. Quem freqüenta escolas
públicas vê as salas empanturradas, a violência,
os baixos salários, a dificuldade de dar reforço
aos que não aprendem. Não é à
toa que tantos professores fiquem tão doentes, com
crises de ansiedade e depressão. Considero um crime
o massacre desses profissionais que, sem estímulo,
dificilmente serão exemplo de paixão pelo aprendizado.
Tenho mostrado aqui os números sobre estudantes que
não ouvem ou não enxergam. A secretária
de Educação de Santo André, Cleusa Repulho,
me disse ter descoberto que 12 alunos de sua rede tinham aulas
de linguagem de sinais porque eram tidos como surdos, mas
sofriam de otite grave. Descobriu também que alguns
eram diagnosticados como retardados mentais, mas que, na verdade,
estavam traumatizados com a violência doméstica.
Há anos, entidades médicas, munidas das mais
apavorantes estatísticas, tentam convencer governadores
e prefeitos -e o Estado de São Paulo não é
exceção- do absurdo que é não
cuidar da saúde escolar. Parece que dá mais
prestígio construir prédios ou dar uniforme.
Em meio a esse caos, há muitos profissionais que se
destacam pelo compromisso com seus alunos -esses certamente
não têm motivo para se incomodar com avaliações
e reconhecimento aos mais esforçados. A revolta contra
o mérito é a revolta dos medíocres.
Há um fato, no Brasil, só explicável
pela crônica ignorância nacional.
Tenho visto uma preocupação muito maior -muito
maior mesmo- com a qualidade da educação pública
por parte de lideranças empresariais, cujos filhos
e netos estudam em escolas particulares, do que por parte
dos dirigentes sindicais, cujos filhos estudam nas redes públicas.
Não percebem como tornar a educação melhor
seria um salário indireto a seus associados e a melhor
forma de qualificação de mão-de-obra.
Exigir mais recursos para a educação e, ao mesmo
tempo, pedir aos professores que produzam mais e melhor, premiando
o mérito, é um mecanismo para ajudar justamente
os filhos dos trabalhadores.
Nova
agenda da educação de São Paulo
SP
premiará escola que evoluir no desempenho e na gestão
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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