Registrar
a calmaria de uma São Paulo extinta há muito
tempo faz parte do projeto "Muro das Memórias"
Quem passar pela esquina das ruas Henrique Schaumann e Cardeal
Arcoverde, em Pinheiros (zona oeste da capital paulista),
vai ver ressurgir o velho bonde, lembrado apenas pelos moradores
mais antigos de São Paulo. É a lembrança
de um bairro ainda pacato que comemora, neste mês, 447
anos - a dificuldade de manter a memória foi o que
levou um grafiteiro, autor do painel, a descobrir o prazer
de conhecer a história paulistana. "Estou adorando
fazer essa viagem pelo tempo e compartilhá-la com a
cidade", diz Eduardo Kobra.
Para se inspirar, Kobra saiu à procura de fotos antigas
do largo de Pinheiros, com seus bondes, coreto, mulheres de
sombrinha e homens trajados de terno. "Essa calmaria
está há muito tempo enterrada." Quem passar
por ali agora vai ver um pouco desse passado em meio às
obras do metrô e ao barulho do trânsito, quase
sempre congestionado. Ao escolher o muro que ladeia a Igreja
do Calvário, ele pretendeu fazer o contraste entre
a tranqüilidade do bonde e a movimentação
incessante dessa entrada de Pinheiros. "Queria que as
pessoas sentissem, mesmo que por instantes, uma sensação
de calma, de um ritmo mais humano", conta ele.
Registrar a calmaria de uma São Paulo extinta há
muito tempo faz parte de um projeto que Kobra batizou de "Muro
das Memórias", a ser espalhado pela cidade.
Grafiteiro desde os 11 anos de idade, Kobra apenas recentemente
se interessou em enveredar pela pintura de cenas do passado.
Em 2005, caiu-lhe nas mãos um livro com fotos do porto
de Santos na década de 1920. Resolveu fazer um teste
em um muro da avenida Sumaré (em Perdizes, zona oeste),
no qual retrata um grupo de trabalhadores com sacos nas costas
abastecendo um navio. Preferiu fazer o painel
em preto-e-branco, destoando do colorido berrante de seus
grafites.
Começou, então, a percorrer arquivos em busca
de cenas antigas paulistanas. "Não tinha a menor
idéia de como era a cidade." Encantou-se em especial
com a avenida Paulista, na qual trafegavam bondes e cujas
calçadas eram decoradas com ipês. Conseguiu um
espaço privilegiado, no Shopping Center 3, naquela
avenida, para reproduzir
uma das fotos que encontrou num museu. A rua
Direita de 1900 foi reproduzida num muro da avenida Hélio
Pellegrino (zona sul).
"A reação do público me deu a vontade
de sair registrando esse tipo de cena por toda a cidade."
Para presentear o bairro aniversariante, Kobra resolveu lhe
dar um painel - obteve o apoio de uma empresa (Suvinil) para
ganhar as tintas. Seu plano é, pelo menos até
o final do ano, fazer mais cinco intervenções.
Antes mesmo de concluído, o bonde de Pinheiros já
encantou os religiosos da Igreja do Calvário, que decidiram
oferecer ao grafiteiro um espaço ainda mais nobre:
o muro de cerca de 200 metros quadrados que fica não
ao lado, mas na frente da igreja. "Eu me sinto como se
fosse uma espécie de professor de história."
Com a diferença que sua sala é ocupada por pedestres
e motoristas.
Veja os estágios do painel de
Pinheiros (obra ainda não concluída):
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Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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