Impossibilidade
de premiar o mérito e punir o erro acaba por gerar
falta de estímulo, é um pacto de mediocridade
Um vendedor da Livraria Cultura, na avenida Paulista, consegue
tirar até R$ 4.500 mensais, com direito a assistência
médica e odontológica, além de receber
bolsa para estudar na faculdade. Dependendo do seu desempenho,
ganha um bônus no final do ano -sem contar os descontos
para a compra de livros. Mesmo assim, um dos principais problemas
daquela livraria é atrair e manter empregados. "É
desesperador", resume Pedro Herz, proprietário
da livraria.
Desesperador porque os candidatos a vendedor apresentam falhas
na sua formação, a tal ponto que muitos deles
não perceberiam o erro no título desta coluna.
Uma boa parte dos contratados não se adapta às
exigências do trabalho, deixando o emprego na fase de
experimentação. Resultado: vagas abertas há
muitos meses, o que acaba por impactar a capacidade da livraria
de elevar suas vendas.
Entendemos, em parte, como, num país de alto desemprego,
especialmente entre jovens, não se preenchem vagas
com um salário de R$ 4.500, vendo a resistência
apresentada, na semana passada, à proposta de premiar
os professores mais talentosos e esforçados.
Ao assumir, na semana passada, a Secretaria Estadual da Educação
de São Paulo, Maria Helena Guimarães, uma das
maiores especialistas brasileiras em avaliação
escolar, defendeu a idéia de que os melhores professores
sejam premiados com base em uma série de indicadores.
Não falou em reduzir salários, mas apenas em
dar um bônus a quem se esforce mais e obtenha resultados
positivos em sala de aula.
A reação unânime dos sindicatos foi a
condenação do sistema de mérito, por,
supostamente, colocar nos professores a responsabilidade pelos
problemas no aprendizado. Para sair do papel, a idéia
da secretária enfrentará uma gigantesca mobilização,
com reflexos políticos.
Para se ter uma idéia da reação, basta
saber que os professores da rede municipal de São Paulo
ganham, no final do ano, uma gratificação por
desempenho baseada num só critério: assiduidade.
Só que todos ganham o benefício, mesmo os que
faltam cronicamente. Foi feita uma portaria determinando que,
pelo menos, apenas os assíduos ganhassem a gratificação
-a medida está mofando em alguma gaveta.
O caos educacional não é responsabilidade apenas
dos professores. Tenho mostrado nesta coluna uma série
de carências sociais que prejudicam o desempenho do
aluno, como as doenças não tratadas. Os salários
são baixos, e a infra-estrutura escolar, precária,
mas a impossibilidade de premiar o mérito e punir o
erro acaba por gerar falta de estímulo. Sela-se um
pacto de mediocridade. Essa é uma das razões,
entre várias, para entender por que apenas 5% dos alunos
concluem o ensino médio público com o conhecimento
adequado de língua portuguesa.
Vale a pena prestar atenção na cidade de Denver,
localizado no Estado do Colorado (EUA), onde se desenvolveu
por vários anos a experiência de dar um bônus
aos melhores professores. Como se previa, o prefeito apanhou
dos sindicatos, mas os resultados foram tão promissores
que, desde o início deste ano, a prática se
estendeu por toda a rede. E com o apoio não só
dos professores mas também dos contribuintes, que toparam
pagar mais impostos para bancar um fundo público destinado
a conceder para o bônus.
Nem é preciso ir tão longe. Uma das mais férteis
experiências educacionais (Procentro) do país
são algumas escolas estaduais de ensino médio
em Pernambuco, nas quais se oferece uma remuneração
diferençada, com direito a bônus, aos professores,
que são obrigados a cumprir metas. A gratificação
pode chegar a R$ 2.500. O programa levou pancadas das mais
variadas corporações, apoiadas pelo Ministério
Público, mas sobreviveu à mudança de
governo, graças aos inequívocos sinais de sucesso
nos mais diferentes testes, entre os quais os vestibulares
e as olimpíadas de matemática. Lá, estudam-se,
por exemplo, clássicos das literaturas grega e romana,
além de aprenderem com jogos criados no Porto Digital
do Recife.
A tragédia de Congonhas foi o estopim para um movimento
liderado pela OAB, batizado de "Cansei". O cansaço
com o caos aéreo, com a violência, com a impunidade
é provocado, em larga medida, pela incompetência
oficial, na qual não impera o mérito, em gerir
qualquer coisa.
O cansaço com essa sensação generalizada
de vulnerabilidade tem a mesma raiz da dificuldade enfrentada
por uma livraria que não preenche todas as vagas, mesmo
oferecendo um salário que supera a média dos
vencimentos de um professor universitário -e isso significa
mais de quatro vezes a média de rendimento de um professor
de ensino básico público brasileiro.
PS
- Detalhei as experiências de Denver e das escolas experimentais
de Pernambuco.
Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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