Considerável
parcela da população no país sofre com
problemas de audição, cujo diagnóstico
é rápido e barato
EM 2003, Victor Campelo era mais um daqueles milhares de jovens
que chegam anualmente a São Paulo para estudar em uma
universidade. A diferença é que, agora, ele
já se prepara para voltar para o Piauí carregando
na bagagem uma invenção capaz de se disseminar
em escala planetária -um programa de internet que,
gratuitamente, ajuda indivíduos a ouvir melhor. Isso
apesar de ele pouco entender de informática.
"Tudo começou por causa de meu interesse pela
telemedicina", conta. O interesse nasceu do fato de Victor
ter feito a graduação de medicina no Piauí
e de ter percebido como consultas pela internet poderiam chegar
às regiões nordestinas mais pobres. Sua invenção
foi, porém, tomando corpo aos poucos na Faculdade de
Medicina da USP -onde faz pós-graduação
em otorrinolaringologia- ao deparar com um drama da saúde
pública brasileira.
Um dos professores da USP, Ricardo Ferreira Bento viajou
pelo Brasil e constatou como uma considerável parcela
da população brasileira sofre com problemas
de audição, cujo diagnóstico é
rápido e barato. "Alguns dos tratamentos para
a baixa audição são extremamente simples."
Simples significa, por exemplo, desmanchar em apenas 30 segundos
a cera que se acumula no ouvido e forma uma espécie
de rolha, dificultando a audição.
O professor Ricardo Bento assumiu a orientação
da tese de doutorado de Victor Campelo, decidido a transformar
a sua pesquisa em um invento. Daí, veio a idéia
de criar um programa que, pela internet, fizesse o teste de
audição em poucos minutos -são emitidos
sons variados e, com base nas respostas dos pacientes-internautas,
mede-se, com uma boa dose de acerto, a deficiência.
A dificuldade de Victor era criar e desenhar o programa de
computador. Buscou, então, a ajuda de um webdesigner
(Julio Chiari) para traduzir o sistema de sons e pontuações.
"Já vimos que funciona", atesta Ricardo Bento,
convencido de que essa tecnologia, por causa do baixo custo,
vai se espalhar pelo país. O projeto prevê que
os dados sejam enviados para alguma central médica.
"Minha intenção inicialmente é trabalhar
com um grupo de estudantes", afirma Victor.
Falta, agora, descrever todo esse processo para realizar a
apresentação da tese de doutorado, prevista
para o próximo ano - um caso não exatamente
comum de tese que, depois da aprovação do estudante,
não fica mofando esquecida em uma gaveta.
Antes mesmo da divulgação da invenção,
o Ministério da Educação já se
interessou em usar esse audiômetro pela internet no
projeto, a ser lançado neste ano, de saúde escolar
-a baixa audição é um das causas do baixo
desempenho escolar.
A possível notoriedade acadêmica, todavia, não
parece seduzir Victor Campelo, que não tem intenção
de fixar moradia em São Paulo. "Acho que vou ser
um médico melhor vivendo no Piauí."
Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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