A lição
por trás dos dados de violência é o modo
como as comunidades se organizam em torno de desafios comuns
Apenas três pessoas foram assassinadas no final da
semana passada na cidade de São Paulo, com seus 11
milhões de habitantes. Tão distante dos tempos
em que se registravam 60 homicídios nos fins de semana,
esse fato transforma aquelas três mortes anônimas
em celebridades históricas. Uma das explicações
para a estatística é o frio especialmente intenso
naqueles dias. Noites geladas são um estímulo
para ficar trancado em casa.
O frio teria, entretanto, pouca influência sem a redução
contínua do número de assassinatos desde 1999.
Estatísticas divulgadas na quarta-feira revelam que,
comparando o primeiro semestre daquele ano com o de 2007,
a queda foi de 70,7%. Traduzindo: menos 310 mortes todos os
meses, o que equivaleria a menos três tragédias
do vôo 3054 da TAM a cada dois meses. Em 20 anos de
regime militar, foram mortos cerca de 300 opositores políticos.
A situação ainda está longe do aceitável,
mas a redução do número de assassinatos
na cidade de São Paulo nos dá uma dica não
apenas de segurança mas também de administração
pública em geral.
As cidades que baixaram o número de assassinatos
com intensidade apresentam uma série de características
em comum. Uma delas, provavelmente a principal, é o
uso apropriado da informação para concentrar
esforços nas áreas vulneráveis.
William Bratton, chefe de polícia de Nova York, foi
um dos responsáveis por montar, na cidade, um mapa
do crime não apenas bairro por bairro, mas rua por
rua. Com base nessa distribuição geográfica
e em indicadores, os esforços de repressão foram
mais bem coordenados e, além disso, os policiais foram
avaliados em seu desempenho.
Bratton é agora chefe de polícia de Los Angeles,
onde aplicou os mesmos métodos que desenvolveu em Nova
York. Mais uma vez, ele está obtendo bons resultados.
No final dos anos 90, São Paulo criou um banco de dados
(o Infocrim) inspirado no modelo nova-iorquino -foi justamente
quando começou a curva descendente do número
de assassinatos.
A grande lição por trás dos dados de
violência, útil para qualquer área da
administração pública, é o arranjo
local -ou seja, o modo como as comunidades conseguem se organizar
em torno de desafios comuns. Em Nova
York, Los Angeles, Bogotá,
Medellín
e São
Paulo, quanto mais o esforço policial se combina,
nos bairros, com programas educativos, melhores os resultados.
Aqui foram as campanhas de desarmamento, as articulações
comunitárias pela paz, o aumento da matrícula
escolar no ensino médio, as escolas abertas nos fins
de semana, a diminuição da incidência
de gravidez precoce, os projetos de fundações
empresariais e de ONGs, o combate ao excesso de consumo de
álcool. Nesse ambiente, foi mais fácil lançar
os planos de policiamento comunitário.
Já sabemos como os arranjos produtivos locais conseguem
fazer pequenos milagres econômicos. Um bairro abandonado
do Recife
torna-se exportador de software; Piracicaba
e Sertãozinho,
em São Paulo, recebem romarias de estrangeiros para
aprender sobre etanol; uma pequena e bucólica cidade
mineira (Santa
Rita do Sapucaí) produz invenções
como a urna eletrônica.
O que não se conhece ainda é a eficiência
dos arranjos educativos locais, capazes de reduzir o crime
e de qualificar o capital humano, quando se aprende a gerenciar
o que está próximo. Cidades brasileiras pobres,
graças a esses arranjos, nos quais se integram diversas
áreas de governo, exibem um notável desempenho
em saúde e educação.
Por causa dessa teia, algumas delas oferecem educação
em tempo integral (o que significa a criança ficar
mais tempo na escola do que na rua ou na frente da televisão)
com apenas R$ 30 a mais por mês. Com pouco dinheiro,
reduzem a incidência de doenças facilmente tratáveis.
Diante da esterilidade de pensar o Brasil apenas por Brasília
e pelos palácios de governo -ou de espasmos sem rumo
como o movimento batizado de "Cansei"-, uma das
saídas é apostar no local, repensando o papel
dos gestores das cidades, a começar de seus bairros.
Assim podemos esperar menos do que está longe e mais
daquilo que está próximo e que depende também
de nós -isso é a cidade contemporânea.
A sensação de potência desta proximidade,
quando vemos os problemas e os resultados, é o melhor
caminho para nunca ficar cansado. Olhar o Brasil apenas dos
palácios do governo, seja qual for o governo, é
de abater qualquer ânimo.
PS- Em contraponto à esterilidade do "Cansei",
sugiro prestar atenção em outro movimento, no
qual existem muitos empresários e executivos de grandes
empresas, batizado de "São
Paulo, Nossa Cidade". Estão sendo criados
indicadores para pressionar por melhores políticas
públicas para São Paulo -além da fiscalização,
serão oferecidas sugestões. O primeiro teste
desse movimento ocorrerá em 22 de setembro, quando
se comemora o Dia sem Carro, que, até agora, é
uma data inexpressiva no país. Pretende-se fazer desse
dia um momento de reflexão e de mudança sobre
como construir comunidades mais respeitosas e civilizadas.
Saiba
mais sobre essas experiências:
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Violência
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dá exemplo para reduzir violência
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De
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Coluna originalmente publicada
na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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