Com
problemas de saúde, muitos alunos não enxergam
o que está na lousa ou não ouvem o que o professor
fala
Uma das lembranças mais fortes de Zyun Massuda é
a solidão que sentia ao entrar na escola pública.
Por mais que se esforçasse e prestasse atenção
ao que diziam os professores, as aulas eram incompreensíveis.
Isso pelo simples motivo de que ele, quando criança,
só sabia falar japonês. "Era desesperador."
Sua solidão na infância era reforçada
por ter perdido o pai aos cinco anos de idade e viver com
uma avó sempre doente.
Sua intimidade com a escola veio com os novos amigos e o domínio
da língua, mas, especialmente, com as aulas de ciências.
Um dos professores que mais o impressionava era alto, magro
e negro -ele foi um dos que mais o influenciaram em seu gosto
pela biologia e em seu futuro profissional. Saiu dali para
um dos cursos superiores mais disputados do país. "As
dores familiares e o prazer de estudar ciências certamente
me levaram para a medicina."
Com o seu olhar de clínico-geral, Zyun reencontrou,
neste ano, os traumas da escola em que estudou (Alves Cruz),
onde, por outros motivos, os estudantes também têm
dificuldades de entender o que os professores dizem. Agora,
a situação não tem relação
com a solidão da língua. "Descobri uma
tragédia." Nesse instante, começa a nascer
uma experiência.
Zyun arregimentou um grupo de médicos para fazer
uma série de exames nos alunos da Alves Cruz.
Ele constatou que boa parte daqueles jovens, com tantos problemas
de saúde, dificilmente conseguiria aprender. Parte
expressiva dos alunos nunca tinha feito um exame médico.
Muitos deles simplesmente não enxergam o que está
na lousa, não ouvem o que o professor fala e não
se concentram por causa da baixa taxa de glicemia no sangue.
Ironicamente, a escola está na vizinhança da
Faculdade de Medicina da USP.
Depois dessa constatação, Zyun novamente reuniu,
no fim de julho, um grupo de médicos para sair percorrendo
algumas escolas públicas nas proximidades da faculdade,
como se criasse em seu entorno um cinturão de saúde
escolar. Feito o diagnóstico, o estudante seria encaminhado
para o sistema público de saúde. "Estaríamos,
assim, montando um modelo de bairro saudável, integrando
a educação aos equipamentos médicos."
Logo de cara, o grupo encontrou um desses absurdos burocráticos:
os postos de saúde não podiam atender os alunos
que só estudam no bairro, só os moradores. Acontece
que a maioria daqueles alunos vem da periferia, muitas vezes
acompanhando suas mães. Conseguiu-se, então,
sensibilizar as autoridades para que os postos mudassem de
atitude.
Os reencontros de Zyun foram além das crianças
solitárias que, como ele, tinham alguma dificuldade
de entender o que se dizia em sala de aula.
Como mais um exemplo da crise da educação pública,
a escola Alves Cruz, que tantos estudantes colocou na USP,
estava ameaçada de fechar.
Um movimento de ex-professores e ex-alunos, entre os quais
Zyun, envolveu-se para salvá-la. O coordenador desse
grupo é um professor aposentado. Chamado Ary Rezende,
é um negro alto e magro que, entre seus alunos, tinha
um menino de olhos puxados que, embora falasse português
com certa dificuldade, acabou virando médico.
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Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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