Por falta
de cuidados básicos, muitos jovens não aprendem
a ler e a escrever porque enxergam ou ouvem mal
Um magnífico exemplo da combinação
entre miséria e incompetência pública
é a saúde dos alunos da rede municipal de São
Paulo. Atenção, candidatos: esse fato, quase
desconhecido, ajuda a entender por que no Brasil os estudantes
têm tanta dificuldade de aprender e tanta facilidade
de cair na marginalidade, engrossando o clima de violência.
A Secretaria Municipal da Educação constatou
que os alunos sofrem dos seguintes problemas:
1) abaixo dos dois anos de idade, 54% têm anemia de
ferro. Em média, até os sete anos de idade,
a taxa é de 28%. Esse problema se traduz em cansaço
crônico e dificuldade de concentração;
2) 20% apresentam algum tipo de verminose;
3) 10% têm deficiência visual;
4) 59% apresentam lesões bucais e cáries.
Mais do que a saúde dos estudantes da cidade mais rica
do país -paradoxalmente um centro mundial de medicina-
o que chama a atenção é a obviedade de
que essas doenças são facilmente tratáveis.
Bastaria apenas que as redes públicas de saúde,
educação e assistência social trabalhassem
em conjunto, sem que se gastasse quase nada a mais.
O resultado é que, por falta de um cuidado básico,
milhões de brasileiros não conseguem aprender
a ler e a escrever porque enxergam ou ouvem mal. Com o tempo,
passam a ser estigmatizados, apontados como relapsos, preguiçosos,
vagabundos.
Não falta quem proponha para eles, em nome da excelência
acadêmica, a receita mágica da repetência.
Daí a se transformarem em seres raivosos, ressentidos,
é apenas um pulo. Se temos de discutir com um mínimo
de profundidade as questões da violência e da
educação, somos obrigados a encarar como imprescindível
o atendimento integral às crianças e adolescentes,
a começar das creches. Mas não é o que
se vê no discurso de nenhum dos candidatos; é
mais fácil, afinal, falar na repressão.
O criminoso inicia sua formação na família,
avança na escola, é estimulado na rua e se aperfeiçoa
na prisão -essa é a cadeia que deve ser rompida.
Na coluna anterior, relatei o caso do Jardim Ângela,
um conglomerado de favelas da zona sul paulistana, onde a
taxa de assassinatos caiu 75%. Nesta semana, o "Financial
Times" apontou Diadema, que já foi a cidade campeã
de violência no Estado de São Paulo, como um
exemplo de solução metropolitana, apesar da
escassez de recursos.
Jardim Ângela e Diadema implementaram programas articulados
sociais e policiais, a partir da mobilização
comunitária -e, só por isso, reduziram rapidamente
seus índices de criminalidade.
Em ambos os lugares, a atitude educativa foi o que deu sentido
às ações. Educaram-se os policiais a
entender a comunidade e educou-se a comunidade a entender
os policiais. Lançaram-se programas para jovens em
liberdade assistida e ofereceram-se atividades culturais,
como o rap e o grafite, complementares à escola.
Os especialistas falam e ninguém duvida de que uma
das maneiras de enfrentar o PCC é usar a inteligência
policial: ou seja, obter mais e melhores informações,
saber como e quando usá-las, além de integrar
várias repartições oficiais.
Casos como o de Diadema revelam o poder da inteligência
social, a capacidade de, usando poucos recursos, encontrar
soluções, tirando o máximo proveito do
que está disponível.
Só uma extrema burrice administrativa explica por
que uma cidade tão rica como São Paulo, sede
de hospitais mundialmente elogiados e de sofisticadas pesquisas
em genética, consegue ter tantos estudantes com anemia
de ferro e verminoses.
Se isso explica os indicadores educacionais paulistanos abaixo
dos de quase todas as capitais nordestinas -perdem de longe
para Teresina- também dá uma dica sobre como
produzimos o desemprego juvenil e a mão-de-obra tão
abundante para o PCC.
A verdade é que burrice também mata.
P.S. - Ainda é pouco, mas vale a pena prestar atenção
em uma parceria que se inicia, nesta semana, entre as secretarias
municipais da Educação e da Saúde, numa
das regiões mais pobres de São Paulo. Estudantes
da Faculdade Medicina da Unisa
irão ensinar professores da rede pública a detectar
doenças e vão ajudar a cuidar dos alunos, encaminhando-os
a centros de saúde e hospitais.
Além de ajudarem a comunidade, os universitários
têm uma chance de aprendizado de saúde pública.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
Universidade
contribuirá com a saúde das escolas de SP
Programa
Saúde da Escola para melhorar o rendimento dos alunos
Agentes
de Saúde em integração com escolas
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