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Quem entender
o que está por trás dos números do Jardim
Ângela, um conglomerado de favelas na zona sul de São
Paulo, com 250 mil habitantes, estará aprendendo a
reduzir a violência no país. Sua taxa de homicídios
caiu em 75%, entre 1991 e 2005. Durante 50 dias, no ano passado,
ninguém morreu assassinado.
Esse movimento teve impacto nas demais estatísticas
criminais de delegacias próximas, responsáveis
por outros bairros além do Jardim Ângela. No
100º Distrito Policial, de janeiro a julho deste ano,
em comparação com o mesmo período de
2002, o índice de roubos, em geral, despencou em 52%;
o de roubos de veículos caiu em 70%.
O debate sobre a violência na sucessão é,
até o momento, de uma pobreza estrondosa, pelo simples
motivo de que não se apresentam planos de construção
dessas complexas redes nem se prevê um projeto específico
para as metrópoles. Os tucanos tentam associar o PT
ao PCC, o que é uma óbvia baixaria. O PT fala
que os ataques do PCC são resultado do caos da segurança
em São Paulo, quando, na verdade, são uma reação
ao jogo duro contra a organização exercido pelo
governo.
O Jardim Ângela foge do discurso fácil e das
soluções simplistas: mostra que a combinação
de repressão com prevenção, a partir
da articulação local, funciona. É o que
se vê em Bogotá, onde a taxa de homicídios
desabou, em poucos anos, em 75%, redução semelhante
à de Nova York.
Depois que o Jardim Ângela foi considerado a região
mais violenta do planeta, iniciou-se ali, em 1996, uma mobilização
liderada pelo padre irlandês Jayme Crowne. Surgiu o
Fórum de Defesa da Vida, que hoje aglutina 200 entidades.
Dessa pressão, foram criadas ali cinco bases de policiamento
comunitário. Como os policiais tinham de conviver com
a população, ganharam confiança e receberam
informações sobre quem eram e onde estavam os
criminosos.
Conseguiu-se, nesse processo, combinar Polícia Militar,
Polícia Civil e Guarda Municipal. Paralelamente à
rede de proteção policial montou-se uma rede
de proteção social, sempre envolvendo a teia
de parcerias. Para trabalhar com ex-internos da Febem, agora
em liberdade assistida, associaram-se prefeitura, Abrinq e
Telefônica. Na sexta passada, aliás, cerca de
mil funcionários da Telefônica foram ao Jardim
Ângela para um mutirão de reformas de espaços
coletivos.
Graças a esse tipo de mobilização, recuperaram-se
praças, clubes e escolas. Ofereceram-se programas de
esporte, atividades de complementação escolar,
tratamento contra o abuso de drogas e álcool. Com um
acordo envolvendo o Ministério Público, acertou-se
a redução do horário de fechamento dos
bares. A prefeitura ofereceu abrigos para crianças
e proteção às famílias em situação
de risco, além de um núcleo para combater a
violência doméstica. No ano passado, foi lançada
a Casa do Adolescente, para tentar evitar a gravidez precoce.
Acrescentem-se aí as dezenas de milhares de bolsas
de renda compostas por recursos municipais, estaduais e federais
-por serem integradas, o valor das bolsas aumentou.
Nem de longe o Jardim Ângela virou um paraíso,
muito pelo contrário. Está distante, muito distante,
de ser o campeão mundial da violência, mas ainda
continua bem acima da média brasileira da criminalidade.
Jayme Crowne está preocupado, especialmente, com o
número de jovens sem perspectivas educacionais ou profissionais.
"Esse é o ovo da serpente", diz São
no Brasil 7 milhões de jovens, entre 14 e 25 anos,
que nem estudam nem trabalham. Isso mostra que temos duas
bombas que se juntam -a dos jovens e a das metrópoles.
Mas o que eles estão construindo, em essência,
é um software de gestão para áreas conflagradas,
por englobar do policiamento à gravidez precoce, passando
pelo tratamento de viciados e pela educação
em tempo integral. Em vez de ficarem trocando acusações
em torno do PCC, os candidatos fariam melhor se estudassem
o caso do Jardim Ângela, cujo sucesso está no
fato de não ter um autor, um partido, um governo. O
PT e o PSDB têm crédito nessa experiência,
com a qual se vê que a saída social brasileira
reside em larga medida na habilidade de as comunidades se
organizarem, mobilizarem seus indivíduos e aumentarem
a eficiência dos recursos públicos.
Contra o crime organizado, o que funciona é a sociedade
organizada.
P.S. - Coloquei no site
um dossiê sobre o Jardim Ângela.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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