O desafio
de transformar uma das vias mais degradadas da "cracolândia"
por meio da música
Com seus meninos e meninas, maltrapilhos, consumindo pedras
de crack em plena luz do dia, a rua do Triunfo era um dos
principais cenários que projetaram a região
da Luz, antes um dos pontos mais sofisticados da cidade, como
"cracolândia" - a partir do próximo
final de semana, surge ali a Rua do Rock, com apresentação
de bandas ao ar livre. É a primeira experiência
comunitária de Ronaldo Liberato.
Ronaldo é mineiro e sempre sobreviveu com a música.
"Fiz de tudo." Tocou bateria e guitarra em bandas.
"Não deu certo", admite. Saiu viajando pelo
país ajudando grupos que iam da música sertaneja
à eletrônica. "Num dia do mês eu estava
com o Fábio Jr. e, no outro, com o Sepultura."
Teve de aprender, por conta própria, a consertar e
ajustar toda a aparelhagem, o que lhe conferiu um status de
técnico em som. Virou gerente de discoteca e produtor
de shows.
Seu prazer, porém, é o rock -um prazer facilitado
por um detalhe geográfico. Seu escritório está
localizado na avenida São João, próximo
à Galeria do Rock, o templo paulistano dos roqueiros.
Bem na frente da galeria, no largo do Paissandu, Ronaldo conheceu
um projeto de outro admirador do rock -Cauê de Luca-
que produzia shows ao ar livre. "É uma forma de
ocupar o espaço com arte e, ao mesmo tempo, ocupar
os jovens."
Aquele aprendizado serviu para inspirar-lhe uma idéia
quando começaram a investir na "cracolândia",
enfrentando o tráfico. Havia vários anos, aquele
entorno já se prestava para a criação
de espaços de arte, como a sala São Paulo, a
Pinacoteca, a Estação Pinacoteca (ex-Deops),
o ateliê Amarelo (residência para artistas plásticos),
a Universidade de Música Tom Jobim e o Museu da Língua
Portuguesa. "Isso acendeu a nossa imaginação."
Todas essas iniciativas culturais pareciam, porém,
ilhas na "cracolândia", cercadas de selvageria
-e a rua do Triunfo era um cartão-postal da degradação
da região.
Já existia, na rua do Triunfo, uma atividade musical
que a convertia, uma vez por mês, em rua do samba, sempre
atraindo muita gente. A prefeitura decidiu, então,
diversificar. Cada semana, o local será fechado para
um tipo de música -um dia será apenas para o
choro, por exemplo.
"Vi ali a minha chance de fazer meu projeto com o rock."
Emplacou. Vai colocar ali, além das bandas, DJs; grafiteiros
vão fazer intervenções, e haverá
espaço para skatistas. Só o que ele não
sabe ainda é como vai patrocinar a experiência.
"Por enquanto, todos estão ajudando e tocando
de graça." Aposta que, mais cedo ou mais tarde,
alguém vai se interessar em manter o projeto para sempre,
afinal há todo um plano para a "cracolândia"
de desapropriação e estímulo a atividades
educacionais vinculadas à arte.
O maior desafio não é o patrocínio,
mas reverter aquele sombrio trecho do bairro com a música
-e, quem sabe, entusiasmar as crianças e jovens do
local. "É pedra contra pedra", brinca Ronaldo
Liberato -rock, em inglês, significa pedra.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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