Como
manter uma escola pública de qualidade e evitar que
crianças caiam nas mãos de facções
como o PCC
INÊS CABRIL é uma das principais responsáveis
por uma notável proeza: a escola que dirige, em Sertãozinho,
uma cidade do interior de São Paulo com 110 mil habitantes,
conseguiu ficar entre os dez melhores colégios públicos
de ensino fundamental do país, de acordo com o ranking
da Prova Brasil. Se estivesse nos Estados Unidos, ela seria
uma personalidade nacional, reverenciada como heroína.
A razão da proeza é a seguinte: 1 -ao contrário
da quase totalidade das dez melhores da lista, a escola não
está numa grande cidade, onde existem abundantes ofertas
culturais e educacionais; 2 - é uma instituição
municipal, enquanto suas concorrentes são federais;
3 - tem apenas 15 anos de existência, quase nada diante
de seus concorrentes, no ranking, como o Colégio D.
Pedro 2º, no Rio.
Quem prestar atenção nas quatro lições
da professora Inês aprenderá a receita de uma
escola pública de qualidade -e, mais ainda, vai saber
como evitar que crianças e adolescentes caia nas mãos
de facções como o PCC.
Em 1991, não havia nenhuma instituição
de ensino fundamental em Sertãozinho, distante 350
km da cidade de São Paulo. Naquele ano, a prefeitura
criou a Escola Municipal Professor José Negri, e Inês
Cabril foi chamada para ser sua diretora.
Desde então, ela não deixou o cargo, e a rotatividade
de professores é baixa, o que os faz vinculados ao
lugar em que ensinam.
A primeira lição é a que vemos em qualquer
parte do mundo: uma boa escola começa com um bom diretor,
para quem ensinar não seja um fardo, mas uma mistura
de prazer com sacerdócio.
Os alunos com dificuldades são acompanhados e apoiados.
Depois do período regular, eles passam pelo balcão
de dúvidas, com professores à disposição.
Além desse serviço, há reforço
aos sábados.
Segunda lição: para a progressão continuada
funcionar (e, assim, evitar o trauma da repetição
do ano), deve-se ajudar o aluno constantemente. A responsabilidade
maior do mau desempenho não é, em essência,
do estudante, mas da escola. Não se pode culpar a vítima.
À parte do tempo regular, são ofertados em
outro período, além do "balcão de
dúvidas", atividades em laboratórios, informática,
dança, música, teatro e esportes. Os estudantes
usam um clube na frente da escola, onde a prefeitura desenvolve
programas esportivos. Os laboratórios ajudaram a produzir
ali premiados em olimpíadas nacionais de física
e matemática. Isso fez com que a José Negri
tivesse o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq).
Terceira lição: as atividades complementares
desenvolvem a autonomia do aluno, aumentam sua bagagem cultural
e, muitas vezes, dão sentido ao que foi ensinado em
sala de aula.
Uma das chaves do sucesso é a participação
dos pais na escola -essa é uma das principais exigências
da professora Inês. Pais e filhos, portanto, são
obrigados a seguir uma disciplina. A secretária de
Educação de Sertãozinho, Maria Dirma
Bonomi, conta que os pais são os primeiros a reclamar
contra professores considerados ruins. Não são
apenas os burocratas, professores e sindicatos que dizem como
deve ser a educação. Escola pública sem
cobrança dos pais é como um produto livre das
leis de defesa do consumidor.
Quarta lição: quanto maior o envolvimento da
família e da comunidade em geral, melhor para a obtenção
de bons indicadores.
Se quisermos mais gente nas escolas e menos no crime, não
precisamos reinventar a roda. Basta seguir as lições
da professora Inês.
P.S. - Para mostrar a diferença que faz uma
boa diretora, pus em meu site
uma pesquisa sobre dois casos na cidade de São Paulo.
São duas diretoras (Ana Elisa Siqueira e Maria de Fátima
Borges) do estilo da professora Inês. Com os mesmos
recursos dos demais colégios municipais, souberam envolver
as famílias, motivar professores e tirar proveito da
comunidade. Embora falte muito, muito mesmo, para comemorar,
atingiram níveis ótimos para os padrões
paulistanos e bons em termos nacionais, comparáveis
às médias das capitais que ficaram em primeiro
lugar, como Campo Grande e Curitiba. Mais uma lição:
precisamos encontrar meios de formar bons diretores e, além
disso, premiar os que demonstrem melhor desempenho. Vamos
melhorar a educação menos aumentando generalizadamente
salários do que dando mais dinheiro a quem trabalha
melhor, a partir de critérios objetivos. Para quem
não tem vocação ou compromisso, não
há salário que estimule.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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