Suzie
achava que seus alunos deficientes não evoluíam.
Até que, de repente, enxergou uma nova magia nos corpos
Católica de nascimento, Suzie Bianchi cultua duas
religiões ao mesmo tempo: o budismo e o espiritismo.
Bailarina, gosta de coreografias contemporâneas, clássicas
e de jazz. Apresenta-se tanto num teatro como num improvisado
picadeiro de circo; um de seus prazeres são as artes
circenses. Essa vocação em lidar com a diversidade
religiosa nos templos em que reza e nos palcos em que se exibe
levou-a a experimentar uma mistura nos tablados -bailarinos
profissionais contracenando com cadeirantes e portadores de
deficiência mental. "Não é para ser
uma espetáculo em que as pessoas tenham pena, mas que
apreciem, como em qualquer outra exibição, a
técnica e a beleza."
A experiência se iniciou involuntariamente quando, há
quatro anos, Suzie foi procurada por uma mãe, frustrada,
que não conseguia matricular a filha, portadora de
deficiência mental, em nenhuma escola de balé.
"Nunca tinha me chegado nenhum pedido semelhante, e,
tenho de admitir, nem me sentia naquele momento apta para
o desafio." Vieram depois mais amigas daquela menina,
todas com problemas semelhantes e interessadas em dançar
e, quem sabe, subir num palco.
Sem saber como trataria aquelas alunas especiais -logo depois
apareceram os cadeirantes-, ela acabou acertando o passo.
"Preferi não fazer uma classe separada, distante
dos demais alunos." Colocou-os todos juntos, embora o
processo de aprendizagem de cada um na sala fosse diferente,
o que exigiria de Suzie um jeito novo de dar as aulas, para
o qual não fora treinada. "Muitas vezes senti
que, por mais que tentasse, eles nunca evoluiriam. Parecia
inútil."
Estava enganada -e, nesse engano, iniciou um aprendizado que
foi bem além das coreografias. "Comecei a rever
a noção de impossível." De repente,
depois de muitos anos de insistência, ela, quando já
não apostava mais num aluno especial, via, surpresa,
como conseguiam fazer o movimento correto. "Isso me ajudou
a enxergar uma nova magia nos corpos."
Ao mesmo tempo, Suzie tomava conhecimento de como cada conquista,
por menor que fosse, auxiliava no tratamento médico
de seus alunos, não só por causa dos exercícios
fisioterápicos mas também por mexer na auto-estima
deles. Suzie conseguiu ter até mesmo um novo olhar
sobre a alegria. "Não imaginava como alunos portadores
de deficiência, pelo menos em contato com a arte e cercados
de tanta gente, exibiam uma alegria em estado puro, livre,
profunda." Tudo isso reconectou-a à sua infância,
quando tinha decidido que seria, sem saber o porquê,
professora de escola. Na rua dava aulas, por exemplo, de amarelinha.
Seu próximo espetáculo, previsto para este
semestre no teatro Santa Cruz, está em fase de preparação.
A coreografia vai expressar, em parte, o aprendizado de Suzie
com seus alunos sobre o impossível e a alegria diante
dos altos e baixos de qualquer existência. O nome provisório
da apresentação é "Roda da Vida".
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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