Como
Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, faz para manter
crianças na escola da manhã até o final
da tarde
Uma das regiões mais pobres e violentas da região
da Baixada Fluminense, marcada pelo desemprego e tráfico
de drogas, Nova Iguaçu iniciou neste ano uma experiência
que mostra como manter uma criança na escola de manhã
até o final da tarde -e ao custo de apenas R$ 12 mensais
por aluno.
Esse valor foi atingido porque se decidiu não contratar
ninguém, não alugar nenhum imóvel, nem
construir novas instalações: aproveitou-se o
que já estava, na cidade, disponível, pouco
usado e disperso tanto de espaços como de recursos.
Como neste ano eleitoral candidatos à Presidência
e a governos estaduais serão obrigados a apresentar
soluções para os problemas da educação
e da violência, especialmente em áreas metropolitanas,
experiências como a de Nova Iguaçu, apesar de
engatinhando, merecem ser observadas.
Essa solução nasceu por causa de um impasse.
A prefeitura, dirigida por Lindberg Farias (PT), queria construir
escolas como os CEUs, em São Paulo, e os CIEPs, no
Rio. Feitas as contas, percebeu-se que não haveria
dinheiro para a construção nem para a manutenção
dessas unidades. Por falta de alternativa, o município
investiu então na idéia de bairros educativos
para ocupar os espaços próximos às escolas
que pudessem ser utilizados pelos estudantes depois ou antes
de assistirem às aulas -clubes, academias esportivas,
núcleos socioeducativos, entidades não governamentais,
templos e igrejas, que fariam parte de trilhas organizadas
e monitoradas por professores.
Um prosaico problema impedia a circulação dos
estudantes: as calçadas repletas de camelôs ou
tomadas pelos comerciantes. Depois de uma negociação,
eles desocuparam o espaço público. Para dar
visibilidade às trilhas, crianças, seus pais
e artistas da comunidade fizeram intervenções
coloridas nos muros - o que serviu para embelezar a cidade
e facilitar os trajetos. Por trás dessa rede opera
um mecanismo de gestão dentro do governo para colocar
as diferentes secretarias num foco comum, cruzando as diversas
políticas públicas. Seria impossível,
por exemplo, para uma diretora de ensino, por mais bem-intencionada,
tirar os camelôs das calçadas ou aprimorar a
sinalização nas ruas para facilitar a circulação
dos estudantes. Fazer uma parceria com os agentes de saúde
ou guardas municipais para que olhem seus alunos ou oferecer,
como se está planejando, esportes de madrugada para
reduzir a violência juvenil.
Mesmo sem erguer nada e utilizando os espaços disponíveis,
chegou-se ao gasto mensal de R$ 45 por criança. Para
baixar esse valor até bater nos R$ 12, concentraram-se
no projeto de bairros educativos os recursos do município
de programas federais voltados à inclusão pela
educação, antes dispersos em rubricas de esporte,
cultura, geração de renda, trabalho infantil.
E, aí, o projeto tornou-se viável -e, de quebra,
replicável. Apesar de se ver mudança na atitude
dos alunos em casa e na escola, ainda é cedo para avaliar
a experiência, cujo sucesso depende de uma série
de fatores, entre eles a qualificação dos profissionais,
a capacidade de manter as políticas públicas
articuladas e a adesão da cidade. Depende também
de que não vire instrumento de marketing de um governo
ou de um prefeito, mas um patrimônio coletivo. Não
se está inventando a roda. Estudos extremamente detalhados
demonstram que a rede formada por família, comunidade
e escola tende a estimular o aprendizado e reduzir a violência.
Basta ver o ranking, divulgado há poucos dias, da Prova
Brasil, que avalia o conhecimento dos alunos em português
e matemática da rede pública em todo o país.
As escolas de cidade do interior, onde o capital social -a
família está mais próxima dos filhos
e dos professores, por exemplo- tiraram, na média,
as melhores notas.
O que Nova Iguaçu está sugerindo é que
a escola em tempo integral, uma das peças para reduzir
desigualdades, combater a violência e elevar a taxa
de cidadania, depende menos de obras e contratações
do que de gestão de recursos disponíveis.
P.S. - O município de São Paulo, sede de faculdades
e de centros de pesquisa de renome mundial, de sofisticadas
fundações empresariais e ONGs, acaba de demonstrar
seu maior sinal de incompetência. Na Prova Brasil, a
cidade conseguiu ficar abaixo das médias de Estados
como Piauí, Ceará, Bahia, Maranhão e
Alagoas, marcados pela miséria extrema e por carências
educacionais. Isso deveria ser o maior motivo de vergonha
dos paulistanos, em geral, e de seus ex-prefeitos, em particular.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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