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Para sobreviver, programa teria
de ser visto como um patrimônio nacional, e não
como marca pessoal de Lula
O Bolsa-Família é o plano mais importante destinado
a reduzir a pobreza já criado em toda a história
do Brasil. O presidente Lula é um de seus principais
responsáveis e, ao mesmo tempo, uma de suas principais
ameaças.
Desde a semana passada, 11,1 milhões de famílias
passaram a ser beneficiadas, atingindo 40 milhões de
brasileiros. É um dos fatores que colaboraram para
a redução do número de miseráveis
e da desigualdade social: pequenas comunidades se desenvolvem
economicamente, a matrícula escolar evolui, há
melhora da saúde de mães e crianças.
Estão até mesmo começando a captar a
volta de migrantes para suas cidades, o que ajuda a reduzir
os desafios sociais das regiões metropolitanas. Comparativamente
a outras despesas sociais (como aposentadorias), o Bolsa-Família
revela uma boa relação custo-benefício.
É uma obra de engenharia social, mas ainda frágil
e incompleta. Para ter consistência e garantir sua sobrevivência,
precisaria ser vista por todos como um patrimônio nacional.
Justamente aí reside o risco Lula. O que o presidente
está fazendo é transformar o programa numa marca
pessoal, de olho nos votos. Nisso tem sido muito bem-sucedido,
como mostrou na quinta a pesquisa Datafolha.
A distribuição de recursos é apenas
o ponto de partida e, se ficar apenas nisso, não resistirá
ao tempo e será bombardeada, apontada como esmola,
mais um fardo no Orçamento; crítica que, por
sinal, já existe. Exige-se uma complexa montagem de
rede para que o beneficiário ganhe autonomia e não
dependa eternamente de favores oficiais.
Nessa rede, costurada em níveis federal, estadual e
municipal em parceria com as comunidades, a família
deve receber os mais diversos apoios para ganhar autonomia.
Depende, então, que muitos presidentes, governadores
e prefeitos trabalhem em conjunto, cruzando as políticas
públicas que vão da creche, pré-escola,
formação profissional a microcrédito.
É por isso que tais projetos deram certo em países
como o México e, principalmente, o Chile.
Quem conhece um pouco de administração pública
sabe como já é complicado secretários
de uma mesma prefeitura desenvolverem articuladamente ações;
imagine, então, quando se envolvem tantos níveis
de poder e com tantos interesses, lícitos e ilícitos,
distintos. Mesmo com muita gente desprendida e competente,
a montagem desse tipo de rede seria complexa e arrastada,
cujos esforços demorariam para apresentar resultados.
Se o Bolsa-Família se converter, como está se
convertendo, no símbolo de um indivíduo, sua
força está em risco de ser boicotada por outros
governos. Esse programa tem tudo para ser protegido pelos
mais diversos padrinhos por causa de suas múltiplas
influências.
Suas origens são as mais variadas e englobam os principais
partidos como PSDB, PT e PFL. Cristovam Buarque, então
no PT, e José Roberto Teixeira (PSDB) lançaram
experiências semelhantes de renda mínima, respectivamente,
em Brasília e Campinas. Essas experiências localizadas
se expandiram, graças, em parte, ao fato de que Antônio
Carlos Magalhães criou um fundo, no Congresso, que
drenou recursos para o Bolsa-Escola, assumido pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos assessores estudavam
a junção de todas as bolsas em torno da família.
Isso era o resultado de anos de estudos acadêmicos sobre
a ineficiência de políticas sociais devido à
dispersão de dinheiro.
A idéia foi aprimorada por vários prefeitos.
Marta Suplicy conseguiu aglutinar num só pagamento
recursos de diferentes origens, aumentando o valor do benefício.
Na gestão Serra, avançou-se na oferta de serviços
a famílias; o resultado disso se vê, por exemplo,
na menor quantidade (ainda inaceitável, claro) de crianças
nos semáforos.
Lula ampliou e melhorou a consistência desses programas.
Seria tão desonesto não reconhecer esse mérito
como deixar de ver que o Bolsa-Família é uma
herança positiva que ele recebeu de FHC. Se todos fossem
reconhecidos e o programa virasse um projeto de nação,
um patrimônio coletivo, o mérito de Lula, no
futuro, seria ainda maior.
P.S. - Alguns personagens foram importantes (e poucos sabem)
nesse processo. Agop Kayayan e Jorge Werthein, que comandaram,
respectivamente, Unicef e Unicef, patrocinaram avaliações
do Bolsa-Escola e as divulgaram dentro e fora do Brasil, ajudando
a dar-lhe a credibilidade necessária para ganhar escala
nacional. O sociólogo Vilmar Faria, já morto,
foi o grande pensador e construtor de um plano de prioridade
às famílias dentro do governo FHC ao lado de
Ruth Cardoso. Como professor da USP e da Unicamp, ele influenciou
muitas das pessoas, algumas do PT, que estiveram direta ou
indiretamente buscando a sofisticação do assistencialismo.
Veja
o desempenho de ações para o desenvolvimento
social do país
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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