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Oferecer música gratuita
nos subterrâneos da catedral da Sé seria um meio
de ajudar a vocação à cultura do centro
O padre Juarez Pedro de Castro, 40 anos, mineiro de Lavras,
está envolvido em um dos projetos musicais mais ousados
da cidade de São Paulo: oferecer em todos os dias do
ano uma atração musical gratuita nos subterrâneos
da catedral da Sé. "A música e Deus sempre
estiveram próximos", afirma o padre Juarez, um
apreciador das composições sacras e da bossa
nova.
O projeto começou a surgir depois da reforma da catedral
da Sé, onde o padre Juarez atua como vigário
auxiliar. "A Sé é, indiscutivelmente, uma
das cinco mais belas catedrais do mundo", orgulha-se.
Como atrair as pessoas para admirar essa beleza e, ao mesmo
tempo, freqüentar a igreja? A resposta estava na cripta,
onde está enterrado, por exemplo, o cacique Tibiriçá,
um dos primeiros jesuítas que chegaram, no século
16, a São Paulo, para evangelizar os índios
e, com uma escola, fundaram a cidade.
Um grupo de religiosos teve a idéia de transformar
a cripta num auditório para apresentação
de corais e orquestras de músicas eruditas, de preferência
com raízes sagradas. Constatou-se que havia muitos
corais religiosos que estariam interessados em se apresentar
na Sé. "A história da evangelização
está ligada à história da arte. Pintura,
arquitetura, música e escultura eram linguagens usadas
para a igreja se comunicar com os fiéis." Por
esse mesmo motivo, o Páteo do Colégio, onde
a cidade nasceu, planeja uma série de concertos nos
finais de semana e, se tiver recursos, na happy hour. Ocupar
a cripta, com arte, apenas manteria essa tradição.
Faltava, porém, o essencial: o patrocínio. Afinal,
se teria de bancar apresentações o ano inteiro.
"Queremos que todos saibam que todos os dias, rigorosamente
todos, se poderá apreciar na catedral uma boa música",
diz o padre Juarez.
Os planos da cripta acabaram chegando ao prefeito de São
Paulo, Gilberto Kassab. "Por mim, está aprovado",
mandou dizer, de olho, de um lado, na revitalização
da região central, uma das prioridades de sua gestão,
e, de outro, na simpatia da Igreja Católica. Seria
mais um meio de ajudar a vocação à cultura
do centro, onde estão surgindo salas de concertos,
teatros e museus, num esforço de combate à deterioração
urbana. A poucos metros dali, o Colégio São
Bento já oferece concertos internacionais de música
erudita em seu teatro recém-reformado. Entra-se, agora,
num debate complexo na hierarquia da Igreja Católica
-o que deve ou não ser tocado na cripta . "Não
se quer, com essas atrações, dessacralizar o
espaço", pondera o padre Juarez. Esse debate é
o único fator que, no momento, está segurando
o projeto -afinal, a verba para o lançamento da idéia
pelo menos neste ano já está disponível.
Juarez sabe que é difícil, mas, se pudesse,
gostaria de ouvir na cripta, de vez em quando, além
das harmonias barrocas e do som do órgão, a
batida da bossa nova que aprendeu admirar. "Sinceramente,
acho que Tom Jobim é divino."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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