Dinheiro e sucesso se esfarelaram
no hospital, e Bernard passou a buscar um sentido para a sua
existência
Vítima de uma parada cardíaca, Bernard Kaplan
esteve, no ano passado, morto por 60 segundos. Os médicos
conseguiram reanimá-lo no hospital, mas avisaram à
família que dificilmente ele sobreviveria com os remédios
tradicionais e alertaram para o pior. Quase sem esperança,
sugeriram um tratamento experimental, com a condição
de que fossem autorizados, formalmente, por algum parente.
Na falta de alternativa, Stella, mulher de Bernard, aceitou
-e assim iria começar a nascer um projeto de criar,
em São Paulo, um museu dentro de um shopping center,
batizado de "Diálogo no Escuro."
Quando já estava recuperado, Bernard foi informado,
aos poucos, sobre a gravidade de seu ataque cardíaco,
associado a várias outras doenças. "É
intraduzível essa sensação de já
ter morrido." Como acontece nesses momentos de extrema
fragilidade, começou a pensar no que faria de relevante
no futuro. "Passamos a conviver com a idéia de
que a qualquer momento tudo pode acabar. Isso nos leva a pensar
em valores essenciais."
Estava com 78 anos de idade e um patrimônio bem além
do razoável. Francês nascido em Paris, Bernard
tinha 29 anos quando veio morar em São Paulo, como
engenheiro químico de uma empresa européia.
"Naquela época, a cidade era um charme, ainda
mais para quem, como eu, morava num belo apartamento na av.
São Luís." Acabou mudando, radicalmente,
de ramo e entrou nos negócios, onde fez fama e dinheiro
construindo shopping centers, ainda novidades na São
Paulo da década de 60. "Apostava na idéia
de que, no caos urbano que ia se avolumando, o consumidor
iria preferir ficar numa cidade protegida e coberta."
Paradoxos do olhar
Dinheiro e sucesso profissional se esfarelaram naquela cama
de hospital -e Bernard começou a procurar um sentido
para a sua existência. Conheceu uma experiência,
desenvolvida na Alemanha, intitulada "Diálogo
no Escuro". É uma exposição com
os mais variados estímulos sensoriais, realizada em
salões totalmente escuros, nos quais os guias são
cegos. O idealizador do projeto, o alemão Andreas Heinecke,
diz que se sente naquela exposição "o paradoxo
de aprender a ver de novo através do não olhar".
Ser cego, para ele, significa exclusão numa sociedade
baseada no visual. Mas não significa infelicidade,
graças à recompensa com outro tipo de "olhar",
a partir de uma dimensão do cotidiano não-visual.
Bernard submeteu-se várias vezes a ser conduzido, nessa
exposição, aos cegos. "Percebi coisas que
nunca tinha sentido, mas que sempre estiverem à minha
volta." Os ruídos e perfumes, o vento, a textura
de um copo. Animou-se com o que viu nas bilheterias da exposição:
filas de interessados e, ainda por cima, a chance de empregar
deficientes visuais.
Voltou para o Brasil decidido a trazer a novidade para São
Paulo. "Ninguém sai igual dessa experiência.
Aprendemos a enxergar nossas deficiências." Espera
inaugurar já no começo de 2007 uma exposição
-e, como seria previsível, escolheu fazê-la num
shopping. E, assim, estará fazendo o seu imprevisível
diálogo particular com o "escuro".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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