Até dois anos atrás,
fazer sucesso na madrugada era uma total improbabilidade para
Facundo Guerra, 32 anos, formado em engenharia de alimentos
e jornalismo, com mestrado em ciência política.
A improbabilidade se devia menos à sua formação
profissional, mas ao fato de que ele tinha o hábito
de dormir cedo, não se animava em ficar de conversa
em bar e nem ia freqüentemente a baladas. Estava acostumado
ao ambiente rígido das empresas multinacionais, nas
quais tinha trabalhado.
"Depois de ficar desempregado, decidi mudar de vida e
arrisquei quase toda a minha poupança." Facundo
foi mais longe e decidiu arriscar suas economias numa rua
em que, para muitos, seria também improvável
uma casa noturna capaz de atrair gente descolada dos Jardins
e da Vila Olímpia dar certo. "Aprendi que, nos
dias de hoje, devemos estar sempre abertos a mudar de carreira."
Na próxima semana, ele vai comemorar o seu desvio dessas
duas improbabilidades, ao apresentar um festival de música
para lembrar o primeiro aniversário do Clube Vegas.
Quase diariamente a casa está no máximo de sua
lotação e mudou um pedaço da paisagem
humana daquele trecho da rua Augusta, dominado por prostitutas
e por seus clientes. "Muita gente dizia que iríamos
quebrar a cara, que os clientes que queríamos atingir
não iriam para aquela região."
Barão de Itararé
Reflexo do Vegas, surgiu, neste ano, nas imediações,
o restaurante Barão de Itararé, interessado
num público que gosta da movimentação
de tribos alternativas que cir-culam pela Augusta. A própria
comemoração de aniversário será
uma amostra daquela inesperada combinação de
públicos. Estão sendo alugadas temporariamente
mais quatro casas noturnas ao lado do Vegas, e cada qual terá
um tipo de música; estão sendo convidados DJs
estrangeiros. "Não queríamos parecer arrogantes
e sempre tratamos de respeitar nossos vizinhos."
Talvez por causa disso, o clube passou a atrair, no fim da
madrugada, a vizinhança que, até então,
só estava trabalhando. Depois que as prostitutas param
de trabalhar, algumas delas vão ao Vegas apenas para
se divertir e soltar, de verdade, o corpo.
"Essa mistura de tribos e classes sociais é um
pouco do que eu acho que deve ser uma cidade." Por causa
dessa visão, Facundo está pensando em deixar,
na própria calçada, um painel dessa combinação,
numa espécie de sátira das calçadas da
fama, feitas para celebridades. Seriam espalhados pedaços
de cerâmica, nos quais as pessoas que freqüentam
aquele trecho controverso da Augusta escreveriam seus nomes
e ficariam, pelo menos ali, na memória de uma comunidade.
Só que, dessa vez, o nome bem-humorado do projeto é
calçada da infâmia.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|