Quando museus, parques, salas
de concerto e até circos se tornam salas de aula, o
ensino faz mais sentido
Quando era menina, em São José dos Campos,
Olga Arruda tinha o hábito de transformar a rua em
extensão de sua casa.
Gostava de ficar conversando com as amigas embaixo de alguma
árvore, promovia jogos e batizados de bonecas, levadas
em romaria para a bênção do padre. "A
rua era um misto do meu quarto com sala de aula." Ela
está agora, muito tempo depois dessas brincadeiras,
reproduzindo na cidade de São Paulo, em maior escala,
aquela vivência interiorana. Desde o ano passado, ocupou,
por exemplo, um cemitério para levar crianças.
"Cemitério é um bom lugar para aprender
história."
Olga cursou pedagogia, deixou o interior e se tornou professora
de escola pública na periferia de São Paulo.
"Toda a minha carreira se deu dentro da sala de aula.
Eu via como os alunos se sentiam desestimulados diante daquelas
matérias que pouco faziam sentido na vida deles."
Em 2005, ela estava no núcleo educacional da Subprefeitura
da Sé, dirigida por Andrea Matarazzo, quando foi convidada
a fazer uma experiência que a remeteu às suas
brincadeiras de infância -colocar os alunos na rua.
"Estávamos cercados de maravilhosos espaços
que não eram usados pelos estudantes nem pelos professores."
Espalhados pela região central, esses espaços
eram os teatros, museus, salas de concerto, parques e até
circos. Com a ajuda da iniciativa privada e em parceria com
os diretores e professores das escolas municipais, descobriram-se
trilhas para que os alunos apreciassem canto gregoriano no
Colégio São Bento, ópera no Teatro Municipal,
exposições no Centro Cultural Banco do Brasil
e na Pinacoteca, além de concertos da Sala São
Paulo. Um dos pontos dessa trilha era o Cemitério da
Consolação, onde aprenderiam história
-lá estão enterradas personalidades como Monteiro
Lobato, Mário de Andrade e a marquesa de Santos.
Os alunos passaram a levar os pais às mesmas atividades
culturais. As trilhas se expandiram para o Mercado Municipal
(espaço de aprendizagem sobre história e alimentação)
e aos rios e parques das redondezas, para uma discussão
sobre meio ambiente. Trafegaram pelo rio Tietê. A experiência
ia crescendo à medida que se descobriam novas trilhas
-hospitais e médicos do entorno se dispuseram a ajudar
a cuidar da saúde dos estudantes. "Temos muitas
coisas ao lado das escolas e não fazemos a menor idéia
delas."
Desde a semana passada, essa trilha localizada no centro começou
a se expandir pela cidade. Olga foi convidada a criar, em
cada subprefeitura, um núcleo de articulação
para aproximar as escolas da comunidade, mapeando as suas
possibilidades. "Não se quer contratar nem alugar
nem construir, apenas ver o que já está disponível."
Uma das idéias é fazer com que os alunos possam
ir ao cinema, após a escola, pagando um preço
especial; os professores discutiriam depois o filme em sala
de aula. Patrocinador do Belas Artes, o HSBC já demonstrou
simpatia em receber os estudantes e preparar os professores.
Se é possível dar vida a um cemitério
e fazê-lo uma sala de aula, imagine, então, aposta
Olga, fazer do cinema uma extensão da escola. Ela sabia,
antes de virar professora, que brincar é um bom jeito
de aprender.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|