Pró-reitora de pesquisa,
Mayana Zatz quer abrir os laboratórios da USP para
alunos da rede estadual
Uma das mais importantes pesquisadoras de genética
no país, a bióloga Mayana Zatz é uma
espécie em extinção. Estudou em escola
pública, não fez cursinho pré-vestibular
e conseguiu ingressar, com boa colocação, na
Universidade de São Paulo. Agregou ao seu currículo
mestrado, doutorado e pós-doutorado nos EUA. A combinação
de história de sucesso na rede pública e a condição
de cientista está levando Mayana a mexer, em laboratório,
o cérebro de adolescentes e fazê-los melhores
alunos.
Além de tentar destrinchar os segredos das células-tronco
embrionárias -uma chave para a descoberta de novos
tratamentos para uma série de doenças-, Mayana
integra um grupo de acadêmicos que está inventando
um jeito de ajudar alunos mais pobres a enfrentar o vestibular.
"Estou convencida de que a universidade tem meios mais
eficazes de incluir os mais pobres sem recorrer às
cotas." As cotas, diz ela, não premiariam o mérito
-um debate que se dissemina em todo o país.
Pró-reitora de pesquisa da USP, Mayana quer abrir
todos os laboratórios da universidade para receber
estudantes das escolas estaduais, acompanhados por tutores.
Assim, conheceriam os passos necessários para as descobertas
e aprofundariam sua visão sobre o aprendizado no geral.
"Assim, vamos mostrar o encanto das ciências."
Os sofisticados laboratórios, com seus ratos, motores,
líquidos coloridos de composições químicas
ou sementes, seriam uma extensão de suas escolas.
Não é um projeto isolado. Está em elaboração
na USP um plano para aumentar a proporção de
alunos da rede pública entre os aprovados no vestibular.
Uma das sugestões é um teste em cada série
do ensino médio para detectar os mais talentosos e
esforçados que, uma vez formados, teriam um bônus
que agregaria pontos no vestibular. Pesquisas da Unicamp revelaram
que a maioria dos seus alunos beneficiados por uma pontuação
diferenciada demonstraram, com o tempo, desempenho similar
e até superior aos dos demais.
A explicação para esse desempenho é
simples: os beneficiados, além de talentosos, desenvolveram
uma garra e sabem quanto vale a chance de entrar numa universidade
pública. "Cresci ouvindo na minha família
que, sem preparo, nunca iríamos longe", conta
Mayana, filha de imigrantes que chegaram ao Brasil sem falar
português e com poucos recursos materiais. Esse mantra,
segundo ela, deveria ser repetido em todo o país. "Isso
quer dizer que a universidade deveria fazer mais do que tem
feito por sua comunidade."
Há um debate, na USP, sobre como uma universidade deveria
apoiar mais a rede pública. Abrir os laboratórios
é um desses estímulos para o aprendizado de
ciências e a introdução no rigor acadêmico.
"Aprendi o que representa para um estudante ir além
dos livros e das teorias, testemunhando o funcionamento de
laboratório e o trabalho dos cientistas."
Se bem-sucedida essa experiência, os laboratórios
da USP produzirão uma volta no tempo -o tempo em que
alunos de colégios públicos, como Mayana, sentiam-se
em condição de competir de igual para igual
com os estudantes mais ricos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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